Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"O Conde", da Netflix, surpreende com ótimo terror cômico sobre Pinochet

Lançado na semana que marca 50 anos do golpe de Augusto Pinochet no Chile, "O Conde" reimagina o ditador como um vampiro e um mal que atravessa séculos

Vitória
Publicado em 15/09/2023 às 07h30
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Filme "O Conde", da Netflix, reimagina o ditador chileno Augusto Pinochet como um vampiro. Crédito: Pablo Larraín/Divulgação

Na semana em que o golpe militar que instaurou a ditadura de Augusto Pinochet no Chile completa 50 anos (11 de setembro de 1973), é de se questionar o momento em que a Netflix lança “O Conde”, sátira de terror que transforma o sanguinário ditador em um vampiro. O filme dirigido pelo chileno Pablo Larraín (“Jackie” e “Spencer”) usa a fantasia e o terror para transfomar o ditador fascista, que contou com o apoio da CIA e dos EUA para seu golpe, em um legado de terror. A ditadura durou até 1990 e Pinochet morreu em 2006, mas as marcas e a influência são eternas –– Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, era um dos admiradores de Augusto Pinochet, para a surpresa de absolutamente ninguém.

Larraín entende a necessidade de transformar o ditador não em uma figura idealizada, em um vampiro sexy e charmoso, mas em um monstro ridicularizado pelo roteiro. O Pinochet do diretor (interpretado por Jaime Vadell) é uma figura monstruosa e quase patética; aos 250 anos, ele tem dificuldades para se adaptar à vida em sua mansão gótica na Patagônia e, principalmente, a seu corpo envelhecido. Após séculos, Pinochet deseja a morte, mas é mantido vivo por seu séquito de seguidores

Quase todo em espanhol, mas com um narrador britânico que dá um ar de “contação de história”, “O Conde” demanda um pouco de conhecimento da história do Chile, principalmente em seu primeiro ato, mas nada muito aprofundado. A narrativa logo ganha tons cômicos quando se sustenta na estrutura familiar ao estilo “Succession”, com cada membro da família buscando os próprios interesses. Os filhos do ditador querem finalmente vê-lo morto para ficar com a herança, enquanto a esposa, Lucía (Gloria Münchmeyer) tem seus próprios planos.

A dinâmica familiar muda com a chegada de Carmen (Paula Luchsinger), ao fim do primeiro ato. Carmen é uma freira que se infiltra na vida de Pinochet e seus familiares como uma contadora e, assim, descobre detalhes da vida do monstruoso ex-ditador que não se arrepende das mortes que causou, mas tem vergonha de sua contabilidade. A personagem de Luchsinger é um dos pontos altos do filme de Larraín, que explora suas motivações e seu desejo de “humilhar” o Mal.

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Filme "O Conde", da Netflix, reimagina o ditador chileno Augusto Pinochet como um vampiro. Crédito: Pablo Larraín/Divulgação

“O Conde” busca a estética dos filmes clássicos de monstro, com a fotografia em preto e branco de Edward Lachman (“Carol”) como parte essencial dessa construção. A trilha sonora de Juan Pablo Ávalo e Marisol Garcia também contribui para o clima de terror gótico, com temas de cordas que ampliam a tensão em cena, manipulando a expectativa do espectador para cada sequência. A utilização dos temas no terceiro ato é essencial tanto para o clímax quanto para o humor, quando tudo se mistura.

É curioso como o filme de Larraín aproxima seu trabalho de obras como “O Menu”, “O Triângulo da Tristeza” ou até “White Lotus” e a já citada “Succession”. O cineasta opta pelo estilo eat the rich, mostrando a elite sofrendo do alto de seus pedestais, invertendo papéis historicamente construídos, mas também imprime sua assinatura ao misturar realidade, política e uma figura histórica deplorável, assim como seus admiradores, facilitando a diversão do público com seu sofrimento.

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Filme "O Conde", da Netflix, reimagina o ditador chileno Augusto Pinochet como um vampiro. Crédito: Pablo Larraín/Divulgação

Com muito humor, um ótimo texto e uma excelente construção de clima, “O Conde” se afasta das possíveis críticas da romantização de um ditador ao transformá-lo, literalmente, em um monstro. Mais do que isso, o texto faz questão de tratar o mal como um lastro, algo maior que uma figura, da presença americana no golpe que matou milhares de chilenos a discursos parecidos que se espalham na extrema direita mundo afora. A morte é simbólica, mas o mal é duradouro.

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