O primeiro “John Wick”, à época de seu lançamento, foi vendido como um simples filme de ação, uma espécie de “Desejo de Matar” contemporâneo, mas a partir do momento em que o protagonista adentra o hotel Continental, fica claro haver mais, um universo. Os outros três filmes da franquia exploraram esse universo e alcançaram seu ápice em “John Wick 4: Baba Yaga”, um dos grandes filmes de ação da história do cinema.
O mundo dos assassinos, com sua mitologia própria e complexas regras, deixou clara a possibilidade de haver muitas histórias além da de John Wick. Demorou cerca de cinco anos, do anúncio ao lançamento, com troca de estúdios e envolvidos, mas “O Continental: Do Mundo de John Wick” chega nesta sexta (22) à Amazon Prime Video com o primeiro episódio de uma minissérie em três partes.
Com episódios semanais, “O Continental” se passa nos anos 1970, em uma violenta Nova York, e explora como Winston Scott (personagem de Ian McShane nos filmes, agora vivido por Colin Woodell) se tornou o proprietário do hotel de assassinos mais importante da cidade. A série traz a reunião de Winston com seu irmão, Frankie (Ben Robson), que roubou um valioso artefato de Cormac O’Connor (Mel Gibson), o atual responsável pelo Continental.
O texto traz diversas referências aos filmes “John Wick”, algumas mais inteligentes e sutis, mas outras bem diretas. O recurso funciona como uma maneira de se conectar de imediato com o espectador, mas também é uma muleta de texto com desenvolvimento preguiçoso. Apesar do foco na batalha de Winston contra a High Table e sua já sabida ascensão na hierarquia daquele mundo, a novidade da minissérie é a presença de mais pessoas não habituadas àquele universo. É o caso dos detetives KD (Mishel Prada) e Mayhew (Jeremy Bobb), que percebem uma agitação no submundo da cidade e decidem investigar; a ideia confere à série um ar mais “real” e menos fantasioso do que os filmes, principalmente as sequências, acabaram adotando. Em contrapartida, a novidade também põe fim a uma das ideias mais interessantes do universo dos assassinos, que parece se regular por conta própria: a ausência de autoridades policiais.
Cormac, o real antagonista da minissérie, é construído como o exato oposto do Winston que conhecemos nos filmes, um sujeito raivoso, explosivo e nada elegante. A construção de personagens e universo é uma das características curiosas de “O Continental”, que tenta buscar novos caminhos, mas se mostra incapaz de se dissociar dos filmes protagonizados por Keanu Reeves. Vários personagens coadjuvantes remetem a alguns que passaram pela franquia anteriormente – o auge da associação se dá na Bowery Queen, óbvia alusão ao Bowery King de Laurence Fishburne.
“O Continental”, em sua ânsia por aumentar o escopo de “John Wick”, cria vários arcos paralelos, resultando em uma perda de foco. Winston é o centro, é quem prende o interesse, mas os já citados detetives e os irmãos Miles (Hubert Point-Du Jour) e Lou Burton (Jessica Albain), com seus problemas em Chinatown, também ganham destaque; o arco dos irmãos ao menos proporciona ótimas lutas. Há ainda outras tramas que ganham tempo de tela no esforço do texto em arrumar uma “galera” para lutar contra Cormac ao lado de Winston, o que rende boas cenas, mas pouco acrescenta narrativamente.
Como obra de ação, “O Continental” entende a necessidade de não fazer feio diante de tudo que os quatro “John Wick” construíram. As coreografias são excelentes, mérito do coordenador de ação Larnell Stovall, que já estabelece o estilo a ser seguido pela série logo nos primeiros momentos do primeiro episódio – Chad Stahelski, diretor dos filmes, assina apenas como produtor executivo.
É interessante o esforço de “O Continental” para oferecer mais John Wick, mas os criadores da série parecem não entender o que torna os filmes do personagem algo diferente. Há uma elegância na ambientação, contrastando luxo e violência, mas também uma simplicidade textual que a série não alcança. A real premissa demora para ser revelada, o que acontece apenas ao final do primeiro episódio.
A divisão da série em três longos episódios (com durações de filmes) funciona como a separação de um filme em seus três atos, a introdução, o desenvolvimento e a conclusão. É frustrante como a série não utiliza o tempo para explorar, de fato, a mitologia que envolve o hotel Continental. É na figura de Charon (Ayomide Adegun), personagem que virá a ser o concierge vivido pelo saudoso Lance Reddick nos filmes, que a série se conecta com mais precisão ao hotel que lhe dá nome, mas não é o suficiente.
É importante ressaltar que “O Continental” não é ruim, apenas frustrante. A série tem bons momentos, boa ação e boas atuações, mas é impossível não considerá-la uma decepção, principalmente após a excelência de “John Wick 4”. Com o universo ainda em expansão, resta esperar que “Bailarina”, filme estrelado por Ana de Armas que chega aos cinemas em 2024, entenda melhor a mitologia que explorará.
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