Lançado em 2021 nos cinemas e atualmente disponível na Amazon Prime Video e na HBO Max, “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” é um daqueles casos clássicos da picaretagem do cinema “baseado em fatos” – como tudo que envolve o casal Ed e Lorraine Warren. Na história, o jovem Arne Johnson assassinou Alan Bono com quatro facadas e, ao ser encontrado pela polícia, dizia não se lembrar de nada, pois estava possuído pelo demônio.
Arne, é bom ressaltar, era namorado de Debbie Glatzel e teria sido possuído pelo demônio durante uma sessão de exorcismo de David, irmão caçula de Debbie, evento que contou com a presença e a orientação dos Warren. Anos depois, David e o irmão mais velho, Carl, processaram Lorraine Warren (Ed já havia morrido), que havia ganhado bastante dinheiro com a história e prometido pagamentos à família para que tudo fosse sustentado.
“O Diabo no Tribunal”, filme recém-lançado pela Netflix, relembra o assassinato de Alan Bono, dos momentos que antecedem, com detalhes da suposta possessão de David e a chegada dos Warren, até momentos atuais, com entrevistas com os envolvidos ainda vivos e com depoimentos antigos dos já falecidos.
Dirigido e escrito por Chris Holt, cineasta que tem se especializado em documentários “true crime”, o filme mistura formatos. Há uma dramatização da história contada por David, Arne e por imagens de entrevistas antigas de Ed e Lorraine, entre outros. Esses momentos dão um tom de fantasia ao filme e contrastam com o aspecto documental do resgate de imagens de arquivos e entrevistas.
Os relatos dos envolvidos são exatamente como o cinema há anos registra, ou seja, eles contam o que as pessoas esperam ouvir sobre uma possessão demoníaca. No caso dos Glatzel, impressiona o número de gravações de áudio e vídeo com David gritando enquanto “possuído”, mas seu comportamento reflete tudo o que os Warren havia dito que aconteceria, o que levanta a questão: o quanto existe de sugestão ou até mesmo de picaretagem naqueles relatos?
“O Diabo no Tribunal” se preocupa com os dois lados, mas de forma desequilibrada. Enquanto os relatos de possessão, falando do sobrenatural, com envolvidos, padres e especialistas em exorcismo ocupa 55 minutos de filme, o questionamento dura menos de 25. Apenas Carl aparece para fazer a contraposição aos eventos sobrenaturais narrados anteriormente. Nesse momento do filme, o espectador acaba escolhendo em quem acreditar e dificilmente afastará essa escolha de crenças pré-existentes.
“O Diabo no Tribunal” funciona como um relato, mas nunca como uma análise do que aconteceu com os Glatzel no início dos anos 1980. Para quem já conhece a história ou até mesmo o já citado “Invocação do Mal 3”, não sobra muita novidade e a experiência se torna frustrante, pois se espera uma análise mais aprofundada.
O filme da Netflix nunca explora as diversas outras polêmicas envolvendo os Warren, o que poderia tirar ainda mais força do caso dos Glatzel e dar força ao documentário – o caso mais famoso da dupla, o chamado “Horror em Amityville”, que virou dois filmes, é cercado de relatos controversos. Em 1976, o casal confirmou a presença de espíritos violentos na casa após os novos proprietários serem “expulsos” por esses fantasmas. A casa, é bom ressaltar, foi palco de seis assassinatos cometidos por Ronald DeFeo Jr. dois anos antes. Anos depois, os novos proprietários afirmaram ter inventado tudo em uma noite regada a muito vinho e drogas. Mesmo com todas as provas contrárias, os Warren lucraram muito com a fantasia. O ponto é, era possível dar mais profundidade a “O Diabo no Tribunal”, e nem seria necessário um grande esforço para isso.
Ao fim, como filme, “O Diabo no Tribunal” é pouco interessante e superficial. A promessa de desmascarar um caso famoso não acontece e o lado “tribunal”, a primeira e única vez que a possessão demoníaca foi usada como defesa nos EUA, é pouco explorado. O resultado é apenas em um documentário genérico com uma boa capa de terror para preencher a plataforma no mês do Halloween.
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