A prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, aplicada no último domingo, foi considerada livre de “polêmicas”, como o ministro da educação, Abraham Weintraub, prefere chamar questões acerca da ditadura militar no Brasil (que ele chama de regime… enfim). Porém, a redação com tema “Democratização do acesso ao cinema” não é bem algo “neutro” como os especialistas insistiram em dizer.
A democratização do acesso ao cinema não passa apenas por espalhar salas Brasil afora para entupi-las com filmes da Disney (Marvel, Star Wars, Pixar) ou comédias produzidas pelo Globo Filmes - a democratização passa direto pela formação de uma plateia e pela profissionalização da cadeia produtiva, por tudo que gira em torno do audiovisual brasileiro. O que acontece no atual governo é justamente o oposto.
Nada contra os filmes de heróis, fantasias e afins, muito pelo contrário, mas o ideal era que o brasileiro se visse representado em tela, seria que cada “Coringa” tivesse seu “Bacurau” ou que os filmes da saga “Vingadores” dividissem salas com filmes como “A Vida Invisível”. O Governo Federal, no entanto, vê no fomento à cultura que possibilita esses filmes um problema, “o poder público não tem que se meter em fazer filme”.
Desde que assumiu, Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura, cortou 43% do Fundo Setorial de Audiovisual, a principal fonte do fomento ao cinema no país, cancelou editais de cinema, sucateou a Ancine e vetou projetos de temática LGBT+. Ainda, prevê uma redução dos recursos que podem ser obtidos por meio de captação de empresas privadas, de R$ 650 milhões para R$ 300 milhões. O que restou da Ancine cortou, em setembro, apoio financeiro para brasileiros divulgarem filmes em festivais internacionais. Hoje (4 de novembro), inclusive marca os 50 anos da morte de Marighella, que teve o lançamento de sua cinebiografia “dificultado” pelo governo.
Brasil afora, festivais como o tradicional Festival de Cinema de Vitória (que chegou este ano à 26ª edição) estão ameaçados. Não existe no governo a percepção de que os festivais vão além das mostras competitivas e oficinas oferecidas durante a semana de sua realização; durante todo o ano, eles levam cinema gratuito para praças e praias de cidades que não possuem salas. Isso é democratização de cinema. Isso depende de incentivos públicos.
Guerra?
O governo Bolsonaro entende a cultura como um inimigo a ser combatido e parece ignorar - por maldade, ignorância ou ambos - seu poder de transformação social e as cifras que movimenta. Os dados mais recentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontam que, em 2015, o setor cultural movimentou R$ 155 bilhões no País, ou 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB). Cerca de 850 mil profissionais trabalham na área.
Falta enxergar, por exemplo, o caso coreano. O fenômeno K-pop está diretamente ligado ao investimento do governo sul-coreano na cultura. Nos anos 1990, com o país mergulhado em uma crise econômica, o sucesso de uma novela coreana na China fez o governo enxergar o potencial financeiro de sua cultura. Foi quando começaram a subsidiar a música popular coreana - o Ministério da Cultura criou um departamento de K-pop para globalizar seu produto. O resultado desse investimento é que hoje o K-pop é uma indústria de US$ 57 bilhões (só o BTS gera US$ 3,6 bilhões por ano para o país). Ainda, o turismo na Coreia triplicou nos últimos 15 anos muito em função da popularidade dos grupos, que levam a cultura coreana para o mundo.
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Investimento em cultura gera dinheiro, gera influência, gera novos investimentos. Quem define o que é ou não cultura não sou eu, não é você, não é o presidente da república ou sei lá… o Gabigol. A democratização da cultura (ou do cinema, como levantou o Enem) passa pelo governo entender que precisa fazer sua parte.
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