Gustavo Macacko é um alquimista, sempre foi. Sua relação com a música é antiga, de tocar com bandas de rock no recreio da escola até chegar ao momento atual, rodando o Brasil com o lançamento de “Humanifesta”, seu quarto disco. Morando no Rio de Janeiro há nove anos, o músico goiano, um capixaba de coração, construiu sua carreira aqui no Estado primeiro com o Símios, banda de bom destaque nos anos 1990 e 2000, e depois em voo solo, sempre inovando com novas alquimias, parcerias e energias.
“Sou um contador de histórias, um cronista, um cancioneiro”, explica o músico. “Humanifesta” é um trabalho interessante - minimalista quando precisa ser, mas cheio de belas melodias e arranjos bem inseridos que conferem ao disco um ar grandioso em alguns momentos. Macacko ri quando ouve minhas impressões. “Foi um disco gravado por três pessoas: eu, o Juliano Gauche (ex-Solana) e o Klaus Sena. Os arranjos podem parecer grandiosos, mas não são difíceis”, responde, com a autoridade de quem, afinal, assina o disco. Essa sensação, segundo ele, vem das dinâmicas da orquestra, trata-se de um disco orquestrado “algo que o rock já usou pra caramba, desde os Beatles, Led Zeppelin, até o Sex Pistols”, pondera.
Mas Macacko (obviamente) tem razão. “Humanifesta” não traz viradas de baterias, aposta na canção, na mistura das influências que o músico carrega desde sempre, do rock à música nordestina. “Eu sou um cara da capoeira, aprendi música com a capoeira, então o disco traz essa influência nordestina aliada ao rock”, pondera, mas não é tão simples assim. O toque de Juliano Gauche dá uma camada de rock britânico noventista ao disco. “Fomos costurando essas referências dentro da minha linguagem que passa pelo cordel. A produção teve muito cuidado pra costurar minhas referências à proposta do disco”, completa.
“Humanifesta” é curioso, é um disco político, mas não se assume como tal. Macacko trabalhou suas canções de maneira poética, para que possam existir independente do contexto e da época. O tema do disco são as relações humanas, as relações, os ritos, tudo o que se intensificou desde 2013. Macacko já havia falado do assunto, à sua maneira, em “Chico e Patty”, canção lançada em seu DVD Ao vivo (2017) e apresentada por ele como a história de amor entre “o rebelde a favor e a revolucionária global”, um casal que se conheceu nas manifestações de 2013 na Cinelândia, e se reencontra em 2016 agora de lados oposto - uma espécie de “Eduardo e Mônica” atualizada aos tempos de hoje.
“Eu me senti manipulado na época, sabe? Quando começamos o disco eu queria fazer minhas crônicas de uma forma poética, atemporal, sem deixar de me posicionar, mas ao mesmo tempo tendo esse olhar do cidadão”, explica. “Não é um disco partidário, mas é um disco de posição. Queria esse olhar de fora. Quando a gente foi definir as músicas, definimos em torno dessa atemporalidade”, completa Macacko.
Essa busca por atemporalidade, inclusive, abriu espaço para a última canção, “Quadro Arnaldista”, coautoria de Macacko e André Prando. Antes de fechar o disco, o músico ofereceu ao produtor Juliano Gauche três canções: uma versão de “Lulampião e Marisa Bonita”, uma chamada “Marielle Pressente” e “Quadro Arnaldista”. A escolha foi do produtor, que disse Ele “não vamos mexer com nada muito temporal”.
“Já tinha brincado com a ‘Era de Arnaldos’ no ‘Despontando para o Anonimato’, e eu me considero um arnaldista, essa coisa de Arnaldo Antunes, Arnaldo Batista, dessa linguagem na qual a letra chega legal, o arranjo e a música chegam para empurrar um recado”, explica.
“Humanifesta” também fala sobre as conexões que Macacko fez fora do Estado. Sair de Vitória não foi uma decisão fácil para o músico, que tinha por aqui a zona de conforto de um nome já construído em um cenário pelo qual circulava com facilidade. “Eu vi que precisava de novas experiências para me reinventar. Queria tocar com outras galeras, precisava me provar, estar mais perto de gente que admiro”, relata.
Gustavo Macacko
Músico
"Aprendi a olhar pro outro, a reconhecer no outro a genialidade que a gente acha que tá só nos mortos, mas tem muita gente foda contemporânea a mim que inclusive são parceiros hoje"
Macacko, mesmo morando no Rio, não se esquece de suas raízes; antes de gravar “Humanifesta”, ele se aprofundou na música capixaba para entender de onde veio e qual sua relação com essa fonte. “Peguei desde Urublues, Thor, Dead Fish, até a galera mais nova. O Rodrigo (Dead Fish) foi o primeiro cara que chegou pra mim e falou ‘sucesso é você continuar trilhando o caminho da música’, e eu achei foda porque as pessoas querem saber o que é sucesso e na verdade é se manter presente fazendo aquilo que você acredita”.
A vida no Rio não foi fácil, Macacko passou “perrengues” antes de engrenar, mas enfim começou a circular por novos meios, ao lado de nomes como Otto, Gabriel, o Pensador e o titã Sérgio Brito. “Comecei a ver essa galera de forma horizontalizada, não os vejo mais como vertical. Eles me vêem como compositor, artista. Aprendi a olhar pro outro, a reconhecer no outro a genialidade que a gente acha que tá só nos mortos, mas tem muita gente foda contemporânea a mim que inclusive são parceiros hoje. Na hora que eu me vi tirando som com várias figuras que eu admirava, ver o Sérgio Brito cantando minhas músicas é muito louco. Ver os caras meio que me admirando… Olha que louco? Não passa só pelos números, mas pela qualidade porque esses caras também são compositores. Quando eles me elogiam eu penso: ‘como atingi o coração desses malucos? Eles atingiam o meu coração (risos)’”.
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