É curioso parar um instante para analisar o título original e os outros que “O Fio Invisível” ganhou mundo afora. Lançado pela Netflix na última quarta (13), a coprodução Peru/Chile/Espanha/Argentina/Estados Unidos originalmente se chama “Distancia de Rescate”, o que faz sentido. Nos países de língua inglesa, porém, ele ganha o título de “Fever Dream” (“Sonho Febril”, em tradução livre), o que também faz bastante sentido com o estilo de narrativa. Já em países como França e Alemanha, o filme ganha títulos que entregam sua virada e, por isso, não serão revelados aqui.
O título brasileiro, “O Fio Invisível”, encontra uma veia poética que combina com o filme de Claudia Llosa (do ótimo “A Teta Assustada”) sem se distanciar do original. Como o filme explica, o tal “fio” é o que magicamente conecta uma mãe a seus filhos - a medida em que se distanciam e a distância de resgate aumenta, o fio pode se romper.
No interior da Argentina, conhecemos a espanhola Amanda (María Valverde), que chega à casa que um dia foi de sua família para passar o verão ao lado da filha, Nina (Guillermina Sorribes Liotta). Marco (Guillermo Pfening), marido de Amanda, permanece na cidade, ocupado com trabalho. Não demora para que Carola (Dolores Fonzi), uma vizinha prestativa, passe a fazer parte da vida das novas moradoras da região. Carola tem um filho, David (Emilio Vodanovich), um pré-adolescente de comportamento peculiar e que gera um mix de preocupação e culpa em sua mãe.
“O Fio Invisível” é um filme difícil de se descrever sem entregar parte de suas boas surpresas. Acompanhamos o estreitar de laços entre Amanda e Carola, mas entendemos também haver algo mais quando surge na narrativa uma conversa sem muito nexo entre Amanda e David. O filme contextualiza suas viradas alternando alguns flashbacks “febris” da protagonista a outros que contam a história de Carola. Aos poucos, as peças do quebra-cabeças vão se encontrando na cabeça do espectador.
O filme de Llosa é sensual, mas com um toque de perigo que às vezes remete aos suspenses de Brian de Palma. A construção da tensão é gradativa, mas faz com que nos importemos com aqueles personagens ao ponto de nos preocuparmos quando o tal “fio invisível” se estica demais.
Apesar das influências variadas, “O Fio Invisível” é um filme que dialoga mesmo é com os trabalhos anteriores de sua diretora. A narrativa é construída sobre as angústias de duas mães, traçando entre elas um paralelo, mas também cruzando as histórias de ambas. O texto, adaptado por Llosa a partir do livro de Samanta Schweblin, mistura elementos sobrenaturais a ameaças reais, o que confere a ele uma urgência e a sensação de que ninguém está a salvo.
As atuações de Maria Valverde e Dolores Fonzi são ótimas, cheias de camadas, e reforçam tanto o lado materno da trama quanto a amizade entre duas mulheres que, por diferentes razões, buscam afeto. A fotografia de Oscar Faura (“O Orfanato”, “Sete Minutos Depois da Meia-Noite”) ajuda no tom desde o início (o "centauro" é um exemplo) e acompanha os sentimentos da dupla de protagonistas - a casa de campo é filmada quase como um bucólico paraíso, mas com um perigo à espreita. O diretor de fotografia brinca com os sentidos do espectador ao alternar esse ambiente de sonhos com uma floresta escura, assustadora e cheia de árvores retorcidas.
“O Fio Invisível”, é bom ressaltar, é uma obra que circularia muito bem em festivais ou em um circuito de cinema mais restrito, com força para se tornar cultuada. Em uma plataforma de grande abrangência como a Netflix, sua narrativa e seu estilo podem incomodar, pois, mesmo que a grande virada seja explicada sem deixar dúvidas, os outros elementos permanecem um mistério para o espectador. Aquilo realmente existiu, a história aconteceu daquela forma ou estamos realmente acompanhando um sonho febril?
Com tantas possibilidades, é curioso que o “O Fio Invisível” tenha um desfecho até convencional, quase uma concessão ao que foi construído até aquele momento, mas que ainda assim funciona bem. De qualquer forma, o filme de Claudia Llosa é bem eficaz no que se propõe a fazer e se encerra deixando o espectador com a sensação de não ter exatamente certeza do que acabou de presenciar. Cenas e diálogos voltam à cabeça com o tempo, levantando novos questionamentos, mas sempre causando um certo desconforto.
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