Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"O Recepcionista", na Netflix, é um suspense ruim e ofensivo

Lançado no Brasil pela Netflix, "O Recepcionista" acompanha um jovem autista que presencia um assassinato e acaba se tornando suspeito de tê-lo cometido

Vitória
Publicado em 12/03/2021 às 00h22
Filme
Filme "O Recepcionista". Crédito: Paramount/Divulgação

Em sua premissa, “O Recepcionista”, filme de Michael Cristofer disponível na Netflix, é uma homenagem ao mestre Alfred Hitchcock. O roteiro conta a história de Bart (Tye Sheridan), um jovem com Síndrome de Asperger que trabalha como recepcionista em um hotel. Com dificuldades sociais, ele observa as pessoas com câmeras escondidas que coloca nos quartos e, assim, “aprende” com os comportamentos delas para replicar falas em seu cotidiano.

Um dia, porém, Bart assiste a uma mulher sendo agredida em seu quarto. Sua reação imediata é correr até lá, mas, quando chega, já a encontra morta. A investigação conduzida pelo detetive Espada (John Leguizano) obviamente o tem como um suspeito, mas mesmo assim Bart é transferido para outro hotel da mesma rede.

No novo emprego, ainda tratado como um dos suspeitos pelo assassinato em seu emprego anterior, Bart conhece a hóspede Andrea Rivera (Ana de Armas), por quem se apaixona quase que imediatamente. Não demora para que ele também coloque câmeras no quarto dela e passe a observá-la.

“O Recepcionista” não sabe ao certo o tipo de filme que pretende ser. O suspense estilo “Janela Indiscreta” logo é deixado de lado, mas o drama sobre um jovem com transtorno do espectro autista tampouco é explorado. Elogiado por sua atuação, Tye Sheridan constrói um personagem com algumas nuances, mas caricato - como se o ator tivesse lido sobre o assunto e reproduzido todas as informações sobre o tema. Assim, Bart é um apanhado de clichês sobre síndromes do espectro autista, mas é necessário reconhecer o esforço do ator em um papel que não é de fácil composição. O roteiro equivocadamente ainda utiliza seu protagonista como uma espécie de alívio cômico, mas o resultado é apenas constrangedor.

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Filme "O Recepcionista". Crédito: Paramount/Divulgação

O problema maior do roteiro é colocar o jovem como um stalker, mesmo que nunca haja necessariamente um tom sexual em seus atos, e tratar seu voyeurismo como algo excêntrico e dentro de seu transtorno. Ainda, o texto nunca parece interessado em desenvolver Bart além de seu transtorno ou em puni-lo por seus atos, que, ao fim, funcionam apenas para levar o filme a seu final.

Há em “O Recepcionista” problemas também na narrativa. O detetive Espada talvez seja um dos mais incompetentes investigadores já retratados pelo cinema, incapaz de agir diante de provas e suspeitos óbvios. Além disso, há no terceiro ato uma sequência gratuita, que em nada condiz com a trama, utilizada apenas para criar tensão - o desenvolvimento da cena é risível. A conclusão do filme, após seu clímax, faz com que o espectador apenas se pergunte “por quê?”.

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Filme "O Recepcionista". Crédito: Paramount/Divulgação

O diretor e roteirista Michael Cristofer é mais conhecido por seus trabalhos como ator. Seu último filme na direção foi o irregular “Pecado Original”, em 2001. Cristofer não consegue imprimir a “O Recepcionista” estilo algum - não é um suspense, não é um policial e não é um drama. Ao utilizar um transtorno do espectro autista como alívio cômico e praticamente justificar uma psicopatia com ele, Cristofer pesa a mão. 

“O Recepcionista”, além de um filme ofensivo a pessoas dentro do espectro autista, é um filme ruim, uma obra que desperdiça bons atores e boas atuações com um roteiro sem profundidade nenhuma e que aposta suas fichas em uma reviravolta que causa pouco impacto. O que salva o filme do desastre completo são as atuações de Sheridan, Ana de Armas e Helen Hunt. Se não fosse por eles, "O Recepcionista" seria simplesmente inassistível.

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