Antes do início do texto, sinto ser necessário dizer que “O Rei dos Stonks”, série lançada sem nenhuma propaganda pela Netflix, inicialmente me encheu de preguiça. “Mais uma série de fraudes financeiras em startups”, pensei. Além disso, o título reforçava minha má vontade antes de clicar no “play”, mas, passados poucos minutos do primeiro episódio, minhas ressalvas já tinham sido deixadas para trás.
“O Rei dos Stonks” (o título continua sendo péssimo) conta a história do maior escândalo financeiro da Alemanha. Logo conhecemos Felix Armand (Thomas Schubert), vice-presidente de tecnologia da CableCash e a um passo de promovido a co-CEO da empresa de pagamento digital em plena ascensão. A série logo apresenta Felix como um sujeito de poucos escrúpulos, disposto a jogadas não muito limpas para alcançar o sonho capitalista. Entre ele e o sonho, no entanto, há um empecilho, Dr. Magnus Cramer (Matthias Brandt), CEO e rosto da empresa.
Cramer é um fanfarrão, um homem medíocre que se sustenta no conhecimento tecnológico de Felix para se vender. É curiosa a maneira como a série o retrata, pois ele supostamente deveria ser carismático, magnético, mas não o é - o texto de “O Rei dos Stonks” ridiculariza Cramer e toda cultura capitalista cheia de testosterona das startups. É quando se percebe isso que o título da série passa a fazer mais sentido e a não mais incomodar, pois trata-se justamente de uma grande ironia com tudo o que cerca esse mundo.
As influências de “O Rei dos Stonks” são claras, de Martin Scorsese, principalmente “O Lobo de Wall Street”, ao cinema de Adam McKay (“Não Olhe Para Cima”, “A Grande Jogada”). A série remete também ao estilo de narrativa de uma das melhores séries originais Netflix, “Como Vender Drogas Online (Rápido)”, não coincidentemente também criada por Matthias Murmann e pelo mesmo time de produtores da nova série.
O roteiro é ágil e está sempre em movimento apresentando novos conflitos e desenvolvendo outros - às vezes as tramas se tornam confusas devido à necessidade do texto apresentar muitos personagens e histórias paralelas. A narrativa tem interrupções para apresentar novos personagens, seus passados e suas relações com a CableCash, o que ajuda para que o público entenda os conflitos. O excesso de informação às vezes é um problema e esbarra no didatismo, mas nunca torna a série chata. Além disso, é algumas informações são necessárias para quem não está acostumado aos jargões do mercado de capitais.
Apesar de ser mais uma série sobre fraude nas fintech (“WeCrashed”, “The Dropout”, “Super Pumped”), “O Rei dos Stonks” é curiosamente menos fria. Felix é um protagonista com o qual conseguimos nos identificar, e como acompanhamos a série sob seu olhar, isso é ótimo justamente por torná-lo frágil - mesmo motivado por motivos não muito nobres (queria fazer parte daquilo), torcemos por ele por contrapor a figura construída de Magnus Cramer, o “Elon Musk” alemão.
A CableCash da vida real se chama Wirecard, mas muito do que se vê em tela realmente ocorreu. A empresa inicialmente se envolvia com traficantes de drogas, prostituição e pornografia on-line, ou seja, negociantes que queriam discrição em seus negócios. A série mostra bem esse lado do negócio e também é eficaz em tentar explicar a dificuldade de legitimar a empresa e levá-la ao mercado de ações.
Assim como em “Inventando Anna”, o que move “O Rei dos Stonks” é a busca pelo sonho capitalista, a necessidade de ser visto como um sucesso. A Wirecard/CableCash já dava indícios de seus problemas em 2008, mas isso não impediu investidores dispostos a não perder uma parte da próxima startup de sucesso e inflarem o negócio - a empresa chegou a valer 24 milhões de euros e se expandiu internacionalmente.
Em seis episódios, a série se esforça para registrar essa ascensão e prepara o terreno para a queda. Não há heróis, mas os personagens são palpáveis e, ao fim, o texto e atuação de Mathias Brandt nos faz até simpatizar com Magnus Cramer de certa forma. “O Rei dos Stonks” não é uma série das mais originais, mas ainda assim é ótima ao explorar esse novo nicho de absurdos do mundo financeiro, do vale tudo capitalista em busca de fazer jus ao título da série.
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