Stephen Chow talvez seja um dos maiores nomes da história do cinema chinês. No início dos anos 2000, o cineasta dirigiu, estrelou e escreveu dois filmes que marcaram a década: “Kung-Fu Futebol Clube” (2001) e principalmente “Kung-Fusão” (2004). Misturando muito humor ao cinema de artes marciais de forma meio absurda, Chow influenciou cineastas mundo afora – James Gunn, atual chefão da DC e diretor dos três “Guardiões da Galáxia”, lista o filme de 2004 como uma de suas principais influências. Chow também dirigiu “Journey to the West”, imprimindo seu estilo à lenda do Rei Macaco contada no livro homônimo de Wu Cheng’en, um clássico da literatura chinesa.
A lenda do Rei Macaco ganha vida novamente agora no filme que leva seu nome – lançado pela Netflix, “O Rei Macaco” tem produção de Chow e direção de Anthony Stacchi (“Os Boxtrolls”). A animação insere o espectador num universo de mitos e lendas chinesas que datam de mais de cinco séculos, mas com estilo pop e linguagem para alcançar o público global da plataforma.
“O Rei Macaco” é a história do personagem título, com voz de Jimmy O. Yang, em sua jornada em busca de pertencimento, de uma família ou um grupo de que ele se sinta parte. Nascido de uma “pedra que caiu dos céus”, o Rei Macaco é um agente do caos com dificuldades para se encaixar na tradicional comunidade de macacos. Segundo o próprio ego, o Rei Macaco é o primeiro super-herói, maior que deuses, demônios ou dragões da China ancestral, opinião obviamente não é compartilhada por outras figuras.
Em sua busca por pertencimento, O Rei Macaco se dá um novo objetivo: derrotar 100 demônios para conquistar um espaço entre os imortais. Para isso, ele conta com a ajuda de seu bastão (voz de Nan Li), uma arma lendária roubada por ele do Rei Dragão (Bowen Yang) e que lhe garante poder para conseguir um lugar entre as lendas. Ao lado dele na jornada, a jovem Lin (Jolie Hoang-Rappaport) quer salvar seu vilarejo da pobreza. É interessante como Lin, em sua missão para melhorar a vida de outras pessoas, funciona como um contrapeso ao protagonista, totalmente egocêntrico e pouco se importando com o resto do mundo.
“O Rei Macaco” é uma animação que remete à cultura chinesa também na estética, com visual que às vezes parece pintado à mão, principalmente nas montagens como a que traz o enfrentamento dos demônios. A tradição encontra a modernidade no ágil estilo narrativo e na computação gráfica, às vezes em excesso, além de uma linguagem fácil e referências anacrônicas.
O texto tem como peça central a busca por pertencimento, a mensagem de que “ninguém deve estar sozinho”. É irônico, assim, que a característica mais marcante (e adorável) do protagonista seja justamente sua arrogância e seu egoísmo, um mecanismo de defesa criado após tanta rejeição. Stacchi assume ter pensado na personalidade de seu protagonista ao lado de Stephen Chow para que ele fosse inicialmente pouco atrativo ao público, mas que conquistasse a simpatia durante a aventura, em uma espécie de redenção.
O filme faz um bom trabalho apresentado a lenda para um novo público de maneira original, sem nunca soar datado. A história de “O Rei Macaco” é vendida como um “capítulo perdido” de “Journey to the West”, oferecendo certo frescor até para quem já conhece a história de Sun Wukong.
Divertido e colorido, “O Rei Macaco” às vezes esbarra numa pegada um tanto genérica e episódica, com aventuras se encadeando como esquetes que se assemelha a séries de TV. Outra característica que o filme pega da TV é Lin, que funciona como uma companhia de “Doctor Who”, a personagem normal que faz com que o poderoso protagonista enxergue o mundo com outros olhos, humanizando um ser cujos poderes o afastam da realidade.
Entre uma aventura e outra, “O Rei Macaco” é cheio de boas piadas, afeto, personagens coadjuvantes interessantes e lutas bem imaginadas. Ao lado de outros lançamentos recentes como “Klaus” (2019), “A Fera do Mar” (2022) e “Nimona” (2023), o filme reforça o lugar da Netflix entre os grandes estúdios de animação.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.