A estreia de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder”, na Amazon Prime Video, nos faz perceber estarmos diante de um momento de transformação na dramaturgia de televisão. A Amazon pagou US$ 250 milhões pelos direitos das criações de J. R. R. Tolkien e quase o dobro desse valor apenas na primeira temporada da série, que estreia nesta quinta, às 22h, na plataforma, com dois episódios. O resultado é grandioso, com efeitos incríveis e cenários encantadores misturados a uma linguagem mais televisiva de exposição (um tanto desnecessária) para ajudar na ambientação e na expansão do universo.
Apesar de carregar o nome dos livros de Tolkien (e dos filmes de Peter Jackson), “Os Anéis de Poder” pode ser tranquilamente consumida sem conhecimento prévio - claro que fãs dos livros e dos filmes terão mais referências, mas nada fundamental. A série se baseia em músicas, notas, breves relatos e canções de “O Senhor dos Anéis”, “O Hobbit” e “O Silmarillion” para dar vida a uma história que se passa no início da Segunda Era da Terra Média (que durou três mil anos), ou seja, muito tempo antes das aventuras de Frodo, Aragorn e a Sociedade do Anel.
Essa distância temporal entre as histórias garante liberdade criativa à série. Como os elfos vivem durante muito tempo, a série tem Galadriel (Morfydd Clark) como protagonista, uma decisão inteligente - sabemos, afinal, que ela sobrevive à Segunda Era, período que “Anéis de Poder” pretende explorar em suas cinco temporadas já planejadas. Felizmente, é ótimo assistir a Morfydd Clark em tela. Nos dois primeiros episódios, dirigidos por J. A. Bayona (“O Impossível”), o texto dá à guerreira elfa algumas camadas interessantes, mostrando-a inicialmente como insubordinada, mas logo dando toques da heroína que acompanharemos na série.
É Galadriel quem sente haver algo fora do normal da Terra Média - até seus pares, como o já conhecido Elrond (Robert Aramayo, em papel eternizado por Hugo Weaving), acreditam ter exterminado o mal e viver tempos de paz, o que, obviamente, para o bem da série, não é verdade. Galadriel busca vingança pela morte do irmão e parte em busca do sumido Sauron, renunciando a vida em Valinor, o Reino Abençoado.
“Anéis de Poder” é interessante ao recriar um universo falado previamente, como o impressionante reino dos anões, que nos filmes conhecemos como as ruínas de Minas Moria. O Elrond da nova série é bem diferente daquele guerreiro que vimos nos filmes, atuando mais nos bastidores - afinal acredita viver em paz. É ele quem vai ao reino dos anões fazer negócios e firmar parcerias.
A série ainda traz humanos (que também não confiam nos elfos) e introduz antepassados dos hobbits à Segunda Era da Terra Média. Então conhecidos como Harfoots e um pouco distantes dos hobbits que conhecemos, eles são retratados como criaturas adoráveis, principalmente Nori (Markella Kavenagh) e sua amiga Poppy (Megan Richards), cuja dinâmica em muito se assemelha à de Frodo e Sam.
Ao menos nos dois primeiros episódios, o arco dos hobbits em “Anéis de Poder” segue sendo um mistério. Ainda, para garantir uma boa dose de melodrama, a série traz também um arco de “amor impossível” entre a humana Bronwyn (Nazanin Boniadi) e o elfo Arondir (Ismael Cruz Córdova).
Apesar de um excesso de didatismo e exposição no primeiro episódio, os episódios de estreia são eficientes ao apresentar o mundo que será visto. O primeiro é ágil, com muita informação para contextualizar o momento histórico, acontecimentos prévios e preparar o terreno para a série sem grandes lacunas. O segundo tira proveito do cenário já criado para introduzir, por exemplo, a amizade entre Elrond e o príncipe anão Durin IV (Owine Arthur), além do relacionamento de outros personagens. A séri traz bons diálogos, com boas doses de humor, que funcionam para dar profundidade aos personagens.
Um marco técnico que mudou o cinema, a trilogia “O Senhor dos Anéis” se destacava pelos brutais combates e pelos efeitos práticos, algo abandonado quase em sua totalidade pelo festival de computação gráfica de “O Hobbit”. “Os Anéis de Poder” parece retomar o uso de efeitos práticos e boas coreografias mesmo que também exagere na computação em alguns momentos, como a cena de luta de Galadriel no primeiro episódio. O segundo episódio, porém, é bem mais promissor nesse quesito.
É óbvio que não se deve analisar uma série por seus dois primeiros episódios, mas “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” é uma grande estreia que parece capaz de mudar os rumos das séries de TV. É impossível imaginar quão grandioso e espetacular seria assistir à série em uma tela de cinema, mas talvez a Segunda Era da Terra Média tenha sua história contada melhor com uma narrativa cadenciada, com profundidade para vários personagens e tempo de sobra para não se atropelar.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.