Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Os Fabelmans": Novo filme de Steven Spielberg é espetacular

Em Cartaz nos cinemas e um dos favoritos ao Oscar 2023, "Os Fabelmans" é um encantador recorte semi-autobiográfico do diretor e também uma carta de amor ao cinema

Vitória
Publicado em 13/01/2023 às 19h55

Uma de minhas primeiras lembranças de cinema, além dos filmes dos Trapalhões e de uma à época assustadora sessão de “Howard, o Pato” (eu tinha uns sete anos) na década de 1980, foi assistir “Indiana Jones e a Última Cruzada” no Cine Glória, no centro de Vitória. Criado em uma família que sempre teve apreço pela cultura, já havia assistido às aventuras anteriores do personagem de Harrison Ford em casa, com meu pai, mas aquela sessão do filme dirigido por Steven Spielberg, quando eu já tinha idade suficiente para entender o que estava acontecendo, foi mágica.

O primeiro parágrafo, com um toque pessoal, serve para mostrar a força do encantamento do cinema - quem sabe se eu estaria ou não teclando essas palavras se não fosse por aquela sessão, por Steven Spielberg? Ao longo dos anos, o cineasta se tornou um especialista na arte do encanto - do inesperado e até improvável de “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” (meu filme favorito) a obras como “E.T.: O Extraterrestre” e “Jurassic Park”. Ainda assim, foi em seus momentos mais intimistas que Spielberg se mostrou um cineasta mais versátil, com filmes como “A Lista de Schindler”, “Munique” ou até “O Resgate do Soldado Ryan”.

Em “Os Fabelmans”, seu drama de resgate autobiográfico, Spielberg reúne esses dois lados com maestria. É um filme sobre seu encanto pelo cinema,  o filme mais pessoal do diretor, que abre a intimidade de sua família como em uma sessão de terapia e a transforma em uma história de fácil identificação com o público, que talvez tenha mais em comum com a lenda do cinema do que imagina.

“Os Fabelmans” é a história de Sammy Fabelman (Gabriel LaBella), um jovem que conhecemos às vésperas dele entrar ao cinema ao lado dos pais, Mitzi (Michelle Williams) e Burt (Paul Dano), para assistir a “O Maior Espetáculo da Terra”, de Cecil B. DeMille. Sammy sai assustado da sessão, mas também com uma necessidade de entender o que viu em tela, de assumir o controle daquilo. Estimulado pela mãe, o jovem passa a fazer filmes caseiros com acidentes de trens de brinquedo e histórias protagonizadas pela própria família. Gradualmente, os filmes ganham maiores proporções e se tornam a grande paixão de Sammy. Em casa, enquanto a mãe incentiva, o pai lida com tudo aquilo como grande hobby.

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Filme "Os Fabelmans" conta recorte da vida de Steven Spielberg. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

O novo filme de Steven Spielberg, em sua essência, não é uma obra tão diferente de “Roma”, “Belfast” ou “Armageddon Time”, todos excepcionais histórias semi-autobiográficas de Kenneth Branagh, Alfonso Cuarón e James Gray, respectivamente. “Os Fabelmans”, no entanto, desperta mais uma identificação do espectador por tratar de Steven/Sammy, mas, principalmente, por tratar de toda a família.

“Os Fabelmans” abre a intimidade da família de Steven Spielberg e funciona como um pedido de desculpas principalmente para o pai do cineasta, que sempre o culpou pelo divórcio. O filme oferece um olhar delicado sobre o assunto e ganha força com as atuações magistrais de Michelle Williams e Paul Dano. Williams é um espetáculo, o coração do filme, uma mulher claramente fragilizada e insatisfeita com o casamento que finge ser um sonho. A relação de Mitzi com Sammy é muito mais a de uma irmã mais velha do que de uma mãe, o que torna compreensível a opção de Spielberg por ficar ao lado dela quando do divórcio. Já o Burt de Dano é pragmático, um visionário do ramo de computação que finge não ver o que acontece diante de seus olhos, que perceber haver algo errado com a esposa, mas que não sabe como lidar com isso.

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Filme "Os Fabelmans" conta recorte da vida de Steven Spielberg. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

O texto é muito eficiente ao não demonizar personagem algum no acerto de contas que Spielberg faz com as próprias lembranças. Enquanto o drama familiar é ótimo e conduz, de fato, o filme, é no encanto com o cinema que “Os Fabelmans” coloca um sorriso no rosto de cada espectador. É possível identificar momentos específicos da cinematografia do diretor em alguns filmes de Sammy, e enxergar as soluções do jovem para os percalços do cinema amador é muito divertido.

É interessante como o roteiro deixa clara a escolha de Spielberg de lidar com seus traumas a partir de filmes, evitando o enfrentamento direto com os envolvidos. Ele busca nos filmes o controle que não consegue ter da própria vida e da vida das pessoas que o cercam - enquanto todos se divertem durante as exibições, Sammy enxerga tudo de forma diferente, da maneira única como vê o mundo. Isso fica claro quando Sammy mostra para Mitzi o filme da viagem e perto do fim, com o filme realizado para a escola.

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Filme "Os Fabelmans" conta recorte da vida de Steven Spielberg. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

Ainda, “Os Fabelmans” também é um filme sobre a essência da arte, seu poder transformador, seu preço e os sacrifícios feitos em nome dela. Os filmes iniciais de Sammy são recriações quase exatas dos primeiros filmes de Spielberg, e essa sensação de magia é reforçada pela fotografia de Janusz Kamiszki (a cena de Sammy editando um filme é magistral) e também pela impecável trilha do lendário John Williams.

A sequência final é ótima e funciona principalmente por sabermos que aquilo é apenas o começo da jornada de um dos maiores nomes da história da Sétima Arte. Ao abrir sua intimidade para o espectador, Steven Spielberg entrega uma história de amadurecimento e descobertas divertida e emocionante, uma verdadeira carta de amor do cineasta a seus pais e ao cinema.

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