O fato de praticamente todas as histórias de Sherlock Holmes estarem em domínio público possibilita que o genial detetive seja usado em histórias diversas sem a autorização dos herdeiros de Arthur Conan Doyle, seu criador. A eterna força pop da figura de Holmes serve de inspiração não apenas para obras protagonizadas por ele ou John Watson (como a excelente série "Sherlock"), mas também obras estreladas por personagens que orbitam em torno do universo criado por Doyle, levando os personagens clássicos para novas gerações.
A Netflix acertou em cheio com “Enola Holmes”, aventura da suposta irmã de Sherlock. Com uma atriz em ascensão, Millie Bobby Brown (“Stranger Things”), e um diretor com estilo reconhecido e em voga, Harry Bradbeer (“Fleabag”), o filme foi um grande sucesso na plataforma. Assim, não é coincidência que “Os Irregulares de Baker Street” chegue à Netflix nesta sexta e carregando o nome da famosa rua no título em português (o original é apenas “The Irregulars”) - a ideia é levar o espectador a uma nova aventura, cheia de novas possibilidades, mas em um universo que já lhe é conhecido e lhe oferece conforto.
“Os Irregulares de Baker Street” acompanha uma gangue de jovens órfãos encabeçada pelas irmãs Bea (Thaddea Graham) e Jessie (Darci Shaw), além de Billy (Jojo Maccari) e Spike (McKell David). Eles moram em um porão nas proximidades do famoso 221B da Baker Street e vivem de pequenos golpes, mas quando uns crimes estranhos começam a acontecer, são recrutados por um sinistro John Watson (Royce Pierreson) para ajudar na investigação. Segundo o médico, ele e seu misterioso parceiro já são conhecidos demais para circular no underground londrino sem levantar suspeitas.
À medida que vão investigando os casos, os jovens se deparam com situações fantásticas que apresentam um universo sobrenatural de misteriosa magia, um universo que, de alguma forma, se conecta com os sonhos e as visões que Jessie tem e que sua mãe também tinha.
É interessante como “Os Irregulares de Baker Street” mostra ter domínio sobre seus personagens famosos. Os nomes já conhecidos vão sendo apresentados gradualmente - Watson acompanha praticamente toda a jornada, mas a narrativa também apresenta Mycroft, Lestrade e, claro, Sherlock Holmes. Alguns surgem como pequenos “mimos”, mas outros, obviamente, têm papel essencial na trama.
A primeira temporada de “Os Irregulares de Baker Street” tem oito episódios de cerca de 50 minutos e dois arcos bem divididos. Na primeira metade, os episódios têm um tom procedural, ou seja, com um caso sendo resolvido em cada um deles. Cada caso deixa os jovens e Watson mais próximos de solucionar o que vem dando poderes macabros aos moradores de Londres. Após o quarto episódio, porém, a série se transforma em algo maior, ampliando seu escopo e se aprofundando em sua própria mitologia.
A série criada por Tom Bidwell se aventura muito mais pelo submundo da Londres Vitoriana do que pelo glamour da realeza britânica - várias localidades da série, inclusive, foram utilizadas ao longo dos anos por “Peaky Blinders”; a semelhança estética não é mera coincidência. A série ainda se envereda um pouco pelos palácios na trama do príncipe Leopold (Harrison Osterfield), que a princípio parece meio deslocada, mas acaba se tornando um arco dramático relevante ao desenvolvimento dos personagens. Neste ponto, vale ressaltar, o roteiro faz opções acertadas de não partir para o melodrama adolescente; ao abandonar o possível triângulo amoroso logo de cara, o texto se permite explorar melhor os personagens.
Apesar de protagonizada por um grupo adolescente, “Os Irregulares de Baker Street” tem um tom bem adulto, com bastante sangue e sem receio nenhum de impactar com algumas escolhas do texto. Em alguns momentos, a série lembra o ritmo e a estrutura de “O Alienista”, mas a pegada mais sobrenatural e fantasiosa remete muito a “Arquivo X”.
O lançamento da Netflix consegue ser interessante na maior parte do tempo, principalmente enquanto a grande trama se desamarra, mas tem escolhas de roteiro que incomodam, como percepções repentinas e coincidências na solução das tramas. Nada que comprometa, muito pelo contrário, são todos recursos que oferecem ao espectador uma sensação de conforto, de não ser desafiado pelo que acompanha.
“Os Irregulares de Baker Street” faz bom uso de personagens icônicos e não se preocupa em manter os conceitos pré-estabelecidos sobre eles ou em respeitar o cânone. Assim, a série consegue uma identidade própria dentro de um universo saturado mesmo que não seja assim tão única. Ao final trata-se de ma boa aventura adolescente com doses de terror que lida com temas mais adultos e cria diversas possibilidades para novas histórias.
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