Publicada entre 2015 e 2019, a graphic novel “Paper Girls”, escrita pelo ótimo Brian K. Vaughn e ilustrada por Cliff Chiang, sempre foi comparada aos clássicos oitentistas “De Volta Para o Futuro” e “Conta Comigo”. A HQ traz a história de quatro meninas pré-adolescentes que trabalham entregando jornal na noite de primeiro de novembro, o Dia do Inferno que sucede o Halloween. Elas acabam em uma trama de viagem no tempo e no meio de uma guerra complexa entre viajantes do tempo e uma organização que preza pela manutenção de uma linha temporal "pura".
Recém-lançada pela Amazon Prime Video, a série “Paper Girls” dá mais profundidade aos arcos dramátiacos das personagens, mas ainda assim é bem fiel a seu material original e isso é ótimo - a HQ foi premiada com o prêmio máximo dos gibis, o Eisner. Em um primeiro momento, tudo remete ao sucesso “Stranger Things”, os anos 1980, as referências nostálgicas (“cadê meu walkman?” é uma das primeiras frases ditas na série), as bicicletas e até mesmo a premissa.
Conhecemos a jovem Erin (Riley Lai Nelet), uma sino-americana em seu primeiro dia como entregadora de jornais. Logo o caminho de Erin se cruza com o de Mac (Sofia Rosinsky), uma menina durona e de família problemática, KJ (Fina Strazza), filha-modelo de uma rica família judia, e Tiffany (Camryn Jones), uma genial afro-americana. Após desentendimentos com uns valentões, elas acabam em uma casa e ouvem um barulho; ao sair, o céu está roxo e não há ninguém nas ruas. A comparação com o fenômeno da Netflix não é à toa.
A partir deste ponto, no entanto, tudo muda. O primeiro episódio de “Paper Girls” é excelente ao colocar as personagens - e o público - em meio ao caos, sem saber ao certo o que está acontecendo. As meninas ficam entre dois grupos que trocam tiros, mas em quem confiar? Após muita correria, as meninas acabam em outro ponto no tempo e terão que lidar com os medos, as expectativas e algumas descobertas pessoais antes de salvar o mundo - qualquer informação adicional pode configurar spoiler e a série é funciona bem melhor quando não se sabe nada sobre ela.
A adaptação de Stephany Folsom (“Toy Story 4”) para o texto de K. Vaughn é boa. A dinâmica das meninas é ótima e raramente se repete, com bons diálogos que criam vínculos entre elas e dão profundidade às personagens. Após o ritmo frenético do episódio inicial, a série dá uma desacelerada para desenvolver as protagonistas e a trama. Assim, conhecemos detalhes da guerra “temporal” e passamos a entender as regras daquele universo enquanto também conhecemos mais o quarteto principal.
Nessa desacelerada, “Paper Girls” ganha camadas, mas também perde um pouco ritmo. As histórias das meninas são ótimas, o coração da série, e as preocupações delas condizem com as idades. Erin, Tiffany, Mac e KJ têm sonhos, visões ainda romantizadas da vida adulta, e não discutem sobre garotos, mas sobre sonhos e ambições futuras - ter apenas mulheres diretoras nos oito episódios reforça essa narrativa voltada para o universo adolescente feminino.
Na parte ficção científica, “Paper Girls” tem altos e baixos. Brian K. Vaughn cria vilões interessantes e uma justificativa plausível - a Antiga Vigília, organização que luta pela manutenção das regras, é formada por ricos e poderosos temerosos das consequências de uma possível mudança no passado. A motivação inicial ganha força quando, de forma bem didática, um personagem compara a linha temporal a uma fita k7: quantas vezes ela pode ser reescrita sem perder a qualidade, mantendo sua estrutura intacta? O lado social da premissa, no entanto, nunca é retomado ou aprofundado.
O roteiro desperdiça algumas boas possibilidades - como os robôs estilo “Pacific Rim” e o caos inicial. No terceiro ato, quando realmente abraça a ficção científica, “Paper Girls” se torna menos interessante, pois o que importa é a jornada de amadurecimento daquelas quatro meninas até aquele ponto, um desenvolvimento que em momento algum parece forçado. Ainda assim, a temporada tem um final satisfatório, com ótimos ganchos para novos episódios.
A série da Amazon Prime Video é excelente em seus arcos dramáticos, com cada uma das meninas tendo algum tipo de contato com a vida futura e sendo obrigadas, assim, a confrontar as expectativas que tinham quando crianças com possíveis visões de seus futuros. Essa jornada é bem mais profunda do que se imagina e do que a escrita por K. Vaughn nos quadrinhos, levantando boas discussões.
Quando é boa, “Paper Girls” é muito boa. O primeiro episódio serve para prender o espectador menos paciente com uma aventura agitada e rápida, mas a série se perde em alguns momentos antes de se reencontrar novamente no final. Apesar de todas as comparações que serão feitas, “Paper Girls” não se sustenta puramente na nostalgia (embora faça uso dela), entregando uma história com muita identidade e força para se sustentar ao longo de mais temporadas - difícil vai ser manter as atrizes adolescentes, todas entre 14 e 16 anos, por muito tempo como se tivessem 12.
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