Em “Parasita”, Joon-ho Bong (“Mother”) cria uma fábula assustadora e sadicamente divertida sobre o capitalismo. O curioso, como o próprio diretor coreano disse em entrevistas, é que a ideia inicial era fazer um filme sobre a sociedade de seu país - a recepção mundo afora, porém, fez o diretor perceber que “todos vivemos no mesmo país, e ele se chama capitalismo”.
“Parasita” levou a Palma de Ouro em Cannes, principal festival do mundo, e chega à temporada de premiações embalado ainda pelo sucesso de público no mercado americano, onde surpreendentemente tem enchido cinemas (algo raro para um filme estrangeiro).
Como fez em “Snowpiercer” (2013), Joon-ho Bong mostra a luta de classes à sua maneira. No filme, o jovem Ki-woo (Choi Woo-shik) consegue a indicação de um amigo para dar aulas de inglês à filha de uma família rica, os Park. A família de Ki-woo Kim vive numa casa no subsolo e todos - ele, a irmã, a mãe e o pai, os Kim - estão desempregados e vivendo de bicos esporádicos para colocar comida na mesa.
O núcleo familiar dos Park obviamente vive outra realidade. São uma família perfeita, com uma casa maravilhosa em uma Seul bem distinta da dos Kim. Quando começa a ganhar a confiança da família, o jovem logo vê uma oportunidade ali para se aproveitar da falta de malícia dos milionários e colocar seus parentes para trabalhar por lá também - eles vão, aos poucos, parasitando a família abastada.
O que mais chama atenção em “Parasita” é a maneira como o diretor trata os núcleos. Ao contrário de uma personificação simplista de “pobre bom, rico mau”, Joon-ho Bong inverte o cenário. A família "parasita" é suja, sem modos ou educação enquanto os ricos são educados, simpáticos, carinhosos e preocupados uns com os outros, inclusive com seus funcionários. O cineasta joga no ar o questionamento: serão os Park amigáveis por serem ricos, por não lhes faltar nada? O inverso acontece com os Kim?
"Parasita" é cruel com seus protagonistas (pobres ou ricos), mas não é gratuito; tudo é fruto das desigualdades. O filme, tal qual "O Hospedeiro" (2007, disponível na Netflix), tem seu monstro, mas aqui a história é diferente. Seria a família a ameaça ou seria o capitalismo? Em uma virada bem interessante, o roteiro ainda adiciona novas camadas à trama (que não serão discutidas aqui por motivos de spoilers) e ganha uma nova dinâmica - de uma trágica comédia familiar, o filme se transforma em um tenso e tocante suspense.
Joon-ho Bong acerta quando distancia os núcleos para criar tensão e os aproxima quando a rede já está criada, afinal o distanciamento social afeta ambos os lados. A dicotomia criada pelo diretor coreano encontra nos problemas criados pelo capitalismo seu denominador comum.
"Parasita" é inteligente. Ele é sutil e refinado, com roteiro pouco expositivo e construção visual impecável, mas também explode violentamente quando precisa. O filme de Joon-ho Bong é mostra recente da força do cinema coreano, que, assim como o k-pop, tem ganhado o mundo - com um bem amarrado ao outro. Na verdade, tudo é fruto da política de incentivo à cultura implantada pelo governo no início dos anos 1990 e que agora começa a colher frutos preciosos, mas isso é assunto para outro texto.
Neste momento a indicação ao Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira é garantida. Fala-se, ainda, em possíveis indicações a prêmios principais como Melhor Filme, Direção, Roteiro Original e Montagem. Se até os americanos, conhecidos por odiar filmes com legendas, estão indo aos cinemas para ver "Parasita", por que você vai perder um dos melhores filmes de 2019?
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