Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Pearl": Bom terror com Mia Goth tem momentos memoráveis

Considerado um dos ignorados na lista de indicados ao Oscar, "Pearl" é a violenta história de uma jovem levada à loucura

Vitória
Publicado em 08/02/2023 às 01h51
"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação
"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

Houve uma comoção muito grande com o lançamento de “Pearl”, de Ti West, nos cinemas americanos. Muito impulsionado por memes e pela popularidade que a atriz Mia Goth ganhou após o “X - A Marca da Morte”, o filme chegou a ser cogitado para o Oscar e a não indicação de Goth chegou a ser tratada como injustiça. “Pearl” é bom, mas não é para tanto.

Filmado “em segredo” e logo na sequência de “X”, o filme retorna ao cenário do interior do Texas, mas 60 anos antes, para contar a história de Pearl (Mia Goth), que conhecemos de forma bem inusitada no filme anterior. “Pearl” se passa em 1918, na mesma fazenda isolada do outro filme, perto do fim da Primeira Guerra Mundial, mas com a chegada da gripe espanhola. O marido de Pearl, Howard, segue a serviço do exército dos EUA na guerra na Europa, e, por isso, ela segue morando na fazenda com sua mãe e seu pai enfermo. A jovem, porém, não se encaixa naquele lugar - ela descobriu o cinema, quer dançar, quer ver o mundo e experimentar novas sensações em uma vida diferente da de sua mãe, que não saiu como o planejado e acabou “presa” ali em uma vida enfadonha.

A premissa inicial da jovem da pequena cidade com sonhos ambiciosos logo ganha ares de estranheza. Isolada do mundo e presa à fazenda, Pearl mata animais para alimentar o jacaré no lago perto de sua casa (o mesmo de “X”, talvez?) e tem fantasias sexuais com um espantalho. Não demora e esse comportamento errático se espalha quando a protagonista entra em uma espiral de loucura e violência.

“Pearl” é um estudo de personagem, um filme que depende totalmente de sua protagonista, e Mia Goth (neta da atriz brasileira Maria Gladys) entrega uma atuação cheia de camadas. Desde o início, há indícios da transformação de Pearl, alguns deles nada sutis. Assim, quando a personagem explode em seu violento rompante, a mudança não é repentina - foi para isso, inclusive, que o espectador escolheu aquele filme.

"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação
"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

Ti West é esperto para tornar tudo familiar para quem viu “X”, do primeiro take, enquadrado pela janela do celeiro, à violência gráfica, mas sem repetir seu filme anterior. “Pearl” também tem no sexo um de seus pilares, mas não da forma explícita representada pela equipe de gravação em “X”. O novo filme usa o sexo como desejo reprimido, como tensão, algo proibido, e torna isso claro quando Pearl assiste a um filme pornô contrabandeado no cinema.

A sexualidade e o desejo feminino são tratados quase como uma maneira de desconstruir a personagem que conhecemos em “X” em uma cartela de bingo - se aquela mulher, com idade avançada, lidava com o sexo daquela forma, cabe a “Pearl” deixar claro como era seu comportamento durante a juventude e o que a levou àquele ponto futuro. O texto de Ti West lida com tabus sociais da época, mas nunca os explora além do que o cineasta julga necessário para contar sua história de origem.

"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação
"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

Enquanto “X” emulava o cinema de terror e os pornôs de baixo orçamento dos anos 1970, “Pearl” é mais anacrônico. Esteticamente, o filme remete ao cinema dos anos 1940 e suas cores artificiais, período de quem também busca a orquestra como trilha sonora e referências que pouco fariam sentido em um filme situado no final da década de 1910, no que seria o cinema mudo.

A escalada de violência que acaba de vez com a sanidade de Pearl é satisfatória e disfarça os problemas da narrativa. Há ótimos momentos e algumas boas ideias, mas elas nunca são desenvolvidas, como a relação de Pearl e sua cunhada Misty (Emma Jenkins-Purro) e até com o projecionista vivido por David Corenswet. Personagens ganham a tela para serem mortos no rompante de Pearl, o que divertiria em um terror slasher, mas, em um filme que busca ser um estudo de personagem, algo mais denso, tira o peso das escolhas do roteiro ao transformar todos apenas em possíveis corpos.

"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação
"Pearl", filme de terror é estrelado pela atriz Mia Goth. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

“Pearl” é esteticamente interessante e tem em Mia Goth uma ótima protagonista, uma atriz capaz de superar problemas do roteiro que, às vezes, parece não saber ao certo o que quer de sua personagem. O novo filme de Ti West não é tão divertido quanto “X - A Marca da Morte”, mas tem plena ciência de seu potencial pop. Ao fim, é um estudo de personagem razoável, com cenas memoráveis, o que talvez já seja o suficiente para sustentar a boa impressão final.

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