Perry Mason foi o protagonista dos mais de 80 livros escritos por Erle Stanley Gardner (1889 - 1970) e acabou transformado em uma série de muito sucesso nos EUA durante 1957 e 1966; não é à toa, por exemplo, que o personagem é citado diversas vezes em “The Marvelous Mrs. Maisel”, que se passa durante esse período histórico.
O sujeito que dá nome à série era um advogado de defesa que pegava os casos mais complicados, aqueles considerados indefensáveis, tudo por movido por um indefectível senso de justiça. Ao lado de seus parceiros Della Street e Paul Drake, Mason vivia casos semanais no formato procedural consagrado pela TV americana e normalmente os vencia de forma brilhante - nos 271 episódios exibidos, o advogado perdeu apenas três casos e ainda assim deu um jeito de salvar o dia ao final de cada um desses episódios.
O advogado ganhou algumas novas versões na cultura pop, mas nada tão relevante quanto a série devidamente intitulada “Perry Mason”, exibida e produzida pela HBO. Lançada no final de junho e com episódios semanais, a série já tem seis episódios disponíveis nos serviços de streaming do canal e terá a conclusão de sua primeira temporada no dia 9 de agosto.
A série é quase um “Perry Mason: Begins”, retomando a vida do personagem antes dos acontecimentos que já conhecidos da TV. Em 1932, o Perry interpretado por Matthew Rhys (“The Americans”) ainda não é um advogado, mas um detetive particular contratado para casos nem sempre muito dignos - perseguir maridos infiéis, encontrar podres de astros de cinema, etc. Quando o conhecemos, ele está em maus lençóis, com problemas financeiros e sofrendo com traumas de seu passado.
Surge, então, um grande caso: um famoso advogado (John Lithgow) contrata o detetive para uma investigação paralela de um caso complicado, o assassinato de um bebê com requintes de crueldade e uma história mal-contada. A polícia desconfia do pai, mas Mason gradualmente descobre que a verdade é muito mais complexa e traumática não apenas para a família, mas para toda a sociedade de uma Los Angeles que ainda se recupera dos efeitos da Grande Depressão causada pela crise de 29.
“Perry Mason”, a série, é algo como há muito não se via na TV. Sustentada por uma narrativa “noir” mesmo na ensolarada Califórnia, a narrativa acompanha o detetive mergulhando nas entranhas nem sempre acolhedoras de cultos religiosos e famílias tradicionais. A ambientação e o design de produção são excelentes, com qualidade de cinema, e proporcionam uma imersão do espectador naquilo que vê em tela.
Ao contrário da série clássica, a reinvenção do personagem resulta em uma trama que alterna diálogos ágeis e divertidos com momentos de tensão e aspereza - o roteiro não priva o espectador de detalhes sórdidos da investigação e em alguns casos até os coloca com destaque em tela.
Como é o padrão das séries de primeiro escalão hoje, “Perry Mason” tem sua temporada centrada em um grande caso, a morte do tal bebê. Isso não significa, porém, que o roteiro se repita, pelo contrário - o caso cresce e ganha contornos cada vez mais macabros e conturbados. À medida que a investigação cresce, Mason se coloca em perigo ao se aproximar de uma verdade que pode ser bem inconveniente para alguns poderosos.
Aos poucos também somos apresentados à nova versão de Paul Drake, agora vivido por Chris Chalk. Assim como o protagonista, o personagem também passa por transformações que o conduzirão ao posto que interpretava na série clássica. A escolha de Chalk para interpretá-lo oferece à série a possibilidade de inserir uma narrativa sobre racismo, algo inevitável para uma série da época.
Algo similar ocorre com Della Street (Juliet Rylance), personagem que antes tinha a função de ser apenas a secretária com quem Mason tinha uma relação platônica e que agora é transformada em uma mulher que tem que se provar em um mundo dominado por homens. Ao que tudo indica, ela terá grande parte na transformação do protagonista, de detetive a advogado de defesa.
“Perry Mason” funciona como uma excelente reinvenção de um clássico, com uma pegada muito mais urgente e muito mais ligado ao mundo atual do que o material original. A série da HBO faz lembrar porque durante muitos anos o canal usou o slogan “It’s not TV, it’s HBO” (“Não é TV, é HBO”) para ressaltar a superioridade de suas produções perante as dos canais abertos. Hoje, talvez o slogan apenas precisasse trocar o “TV” por “streaming” para se manter atual.
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