Quem nunca ficou puto da vida com uma série cancelada que atire a primeira pedra! Basta uma busca rápida no Twitter para ver a revolta dos fãs com os recentes cancelamentos da Netflix - e nem venho considerando canceladas as séries que terão uma temporada inteira para chegar ao fim, casos de “O Mundo Sombrio de Sabrina”, “Dead to Me” e “Ozark”, que, na minha humilde opinião, terá um arco perfeito em quatro temporadas.
Também não coloco na conta séries que foram concluídas de acordo com a vontade de seus criadores, como “Bojack Horseman” e “Dark”, mesmo que o status delas conste como “cancelado”, a verdade é que elas foram concluídas. Na minha conta de cancelamentos entram obras como “Mindhunter”, “GLOW”, “Anne with an E”, “Altered Carbon”, “I am Not Okay With This”, “The OA”, “Teenage Bounty Hunters”, “Bloodline” e por aí vai…
Só em 2020 foram 17 cancelamentos, e alguns bem cruéis, como “GLOW”, que já havia sido renovada para a quarta e última temporada. As filmagens já haviam sido iniciadas quando a pandemia paralisou tudo - a Netflix então reviu o contrato, achou caro e preferiu cancelar. Uma pena. Atualmente fãs da série e o criador, Marc Maron, tentam viabilizar um filme para encerrar a história.
Sabe o que acontece, sabe por que a Netflix (principalmente ela) deixa órfãos os fãs de algumas de suas séries? A explicação é muito simples: dinheiro. A Netflix não divulga seus dados de audiência (a não ser quando é de seu interesse), mas é sabido que ela analisa a relação entre custos de produção e audiência para renovar ou não uma atração - e levando em consideração a audiência global de quase 200 países, fazer sucesso aqui ou acolá não basta.
A gigante do streaming tem algumas fórmulas para analisar essa audiência. Ela analisa os primeiros sete dias e os primeiros 28 dias de uma série, e, a partir daí, contabiliza o número de assinantes que viram o só primeiro episódio e a quantidade que completou a temporada em menos de um mês, esse resultado é o mais importante no cancelamento ou não da série. Se você assistiu à temporada inteira, mas dois meses após o lançamento, você não entra na conta. Cruel, né?
Segundo estudos do serviço, as séries aumentam seus valores de produção na segunda e, principalmente, na terceira temporada. Isso explica o posicionamento de David Fincher, criador de “Mindhunter”, talvez a série menos Netflix do catálogo da Netflix. A trama sobre o estudo de serial killers pelo FBI teve duas temporadas e foi colocada em hiato pela empresa. Nas palavras de Fincher, ele não teria como fazer uma terceira temporada com menos verba do que fizeram a segunda, e a Netflix não estaria disposta a bancar esse custo.
Enquanto cancela suas séries, a Netflix também paga fortunas para nomes como Ryan Murphy, Shonda Rhimes e para a dupla David Benioff e Dan Weiss produzirem suas próximas histórias na plataforma. Com os outros estúdios criando suas próprias plataformas, o catálogo da Netflix vai cada vez mais depender somente de suas produções originais, e, por isso, a quantidade tem importado muito mais que a qualidade. A impressão passada para o público é que a empresa deixa de produzir suas séries favoritas para encher ainda mais o bolso de produtores renomados. Não é bem assim, mas isso pouco importa para os espectadores.
Em resumo, a verdade é que lançar um trilhão de novas séries é mais barato e lucrativo do que renovar séries antigas que podem até ter uma audiência cativa, mas não são um sucesso absoluto; a Netflix considera que a chance de uma nova série vingar é maior do que a de uma nova temporada de uma série antiga atrair novos assinantes, ou seja, é melhor lançar uma porcaria como "Bárbaros" do que dar uma nova temporada a "The Society" ou "Cristal Encantado: A Era da Resistência". Mesmo quando renovada, a série ainda precisa atrair novos espectadores até a terceira temporada, não basta manter a base da primeira.
Acontece que nem toda série é um sucesso logo de cara; “The Office”, por exemplo, tem uma primeira temporada ruim e mal recebida tanto por público quanto pela crítica, que a considerava uma cópia mal feita da original britânica. A partir do segundo ano, porém, a série ganhou uma identidade e os personagens foram caindo no gosto do público. Foram nove temporadas de sucesso e uma recente redescoberta por um novo público que tem consumido a trama de Michael Scott e os funcionários da Dunder Mifflin via streaming nos últimos anos (a série atualmente está disponível no Amazon Prime Video).
Outro caso é “Schitt’s Creek”, que levou todos os prêmios possíveis no último Emmy. A série canadense só fica realmente boa lá pela quarta temporada, mas o canal PopTV, produtor da atração, confiava em sua força; ironicamente, o PopTV foi quem resgatou “One Day at a Time”, cancelada pela Netflix em 2018.
Segundo Jonathan Entwistle, criador de “I’m Not Okay With This”, cancelada, e “The End of the F***ing World”, renovada, o modelo da Netflix atrapalha a qualidade criativa de produtores. O curioso é que Entwistle queria uma segunda temporada para a série cancelada, o que faria sentido na trama, mas não fazia questão de uma nova leva de episódios para a que acabou renovada e que teria uma conclusão satisfatória ao fim da primeira temporada.
“Não há conexão entre a qualidade e a viabilidade para eles. Me disseram em várias ocasiões que uma série pode ser aclamada pela crítica, ganhar o Emmy, e, ainda assim, não funcionar para eles. Fica a pergunta: qual vai ser o resultado de entupir o cano com mediocridade?”, questionou em entrevista ao site “Insider”. Podem até dizer que ele está ressentido, mas errado ele não está.
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