Quando “Silo” tem início, somos apresentados sem muita explicação a um universo complexo. A série da AppleTV+ se passa em um enorme silo subterrâneo politicamente e socialmente organizado, com cargos políticos, trabalhos e funções que ajudam a manter a estrutura funcionando. Muito pouco é explicado, apenas sabemos que o mundo externo é tóxico e há 140 anos os sobreviventes vivem nessa sociedade.
De cara, conhecemos Allison (Rashida Jones), uma programadora casada com o xerife Holston (David Oyelowo), um casal modelo. Quando eles finalmente são contemplados com a permissão para uma gravidez (há um rígido controle populacional por lá), Allison percebe movimentações estranhas e passa a questionar as regras e a hierarquia daquele lugar.
“Silo” é ousada ao introduzir personagens como protagonistas, despertando no espectador uma simpatia, para depois mudar o foco. Sem entrar em spoiler algum, é possível dizer que a série logo apresenta sua real protagonista, Juliette (Rebecca Ferguson), uma engenheira fundamental para manter o gerador do silo funcionando, mas que acaba envolvida em algo muito maior.
Criada por Graham Yost, também criador da ótima “Justifed”, a partir da série literária de Hugh Howey (lançada no Brasil pela editora Intrínseca), “Silo” se destaca por ir além do questionamento do que realmente acontece ali. A série mostra preocupação com o desenvolvimento dos personagens e não faz do mistério sua razão de existir. Isso não significa, claro, que ele não avance – os diálogos e a contextualização gradualmente indicam acontecimentos.
Entendemos, por exemplo, a violenta supressão de uma antiga revolução e a perseguição silenciosa aos simpatizantes e ela ainda restantes. O que está em jogo é apenas a manutenção do “status quo” do silo ou é algo maior? O excelente primeiro episódio foca no que acontece quando alguém sai do silo; se alguém fala que deseja ir “lá fora”, independente da situação, o desejo é cumprido, mas a pessoa é impedida de voltar.
Já renovada para uma segunda temporada, “Silo” tem ótimos ganchos ao final de cada episódio, mas eles nunca parecem gratuitos. É interessante entender a estrutura social do silo e questionar o porquê de as autoridades impedirem qualquer tipo de contato da população com objetos, histórias ou qualquer outra coisa de antes do silo – eles conseguem ver as estrelas, por exemplo, mas não fazem ideia do que sejam aquelas luzes no céu.
O texto tem algumas viradas bem previsíveis, mas outras pegam o espectador totalmente de surpresa. Isso acontece principalmente porque Juliette nem sempre acerta a direção de sua investigação, e, assim, somos enganados ao lado da protagonista. “Silo” também é bem construída, com a estrutura ganhando toques humanos, dando ao lugar um ar mais natural e menos “cinza”; para todos que vemos em tela, aquela é a única realidade conhecida.
“Silo” tem bons personagens, uma ótima protagonista e uma história que sabe aonde quer chegar. Mesmo que não pareça, pois o faz com naturalidade, a série manipula o público com as idas e vindas de personagens que acreditamos ser importantes ou irrelevantes à trama. A primeira temporada conta o primeiro arco de histórias dos livros – é curioso pensar como Graham Yost pretende continuar a adaptação, pois o segundo livro tem flashbacks que explicam o que de fato aconteceu ao mundo e como se chegou àquele momento do início da série.
Felizmente a Apple não é conhecida por cancelar suas séries antes de uma conclusão digna. Assim, “Silo” deve ter as histórias de Hugh Howey contadas na totalidade. Há material para pelo menos mais duas temporadas, mas, mesmo se a decisão for de encerrar a série após a segunda leva de episódios, é possível imaginar um final no qual as lacunas sejam preenchidas de maneira respeitosa. A série é uma das boas surpresas de 2023 e uma das obras que reforçam o papel da Apple na produção de conteúdo de qualidade (poderia só melhorar a plataforma para quem não usa seus dispositivos).
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.