Sucesso na Netflix, "Quem matou Sara?" tem início com uma frase de Agatha Christie: "Poucos de nós são o que parecem ser". A referência é óbvia e só reforça o que o título já sugere, estamos diante de um whodunnit, ou seja, uma obra de mistério voltada para descobrir quem é o responsável por seu principal conflito, no caso da série, a morte de uma de suas personagens.
A série tem início com os momentos que antecedem a morte de Sara (Ximena Lamadrid), quando ela, o irmão, Alex (Leo Deluglio, na fase jovem), e os irmãos José Maria (Polo Morin, jovem) e Rodolfo Lazcano (Andres Baida, jovem) se aventuram com um paraquedas em uma lancha. O paraquedas se rompe e Sara despenca, o que a leva à morte. A cena não é das melhores, mas felizmente não dá o tom de toda a temporada.
Dezoito anos depois, encontramos Alex (Manolo Cardona) deixando a prisão. Ele levou a culpa pela morte da irmã e quer vingança contra toda a família Lazcano, uma das mais poderosas do México. Utilizando técnicas de programação que aprendeu no cárcere, ele invade o sistema de um dos cassinos da família no dia que Rodolfo (Alejandro Nones) tomaria posse como CEO e meio que conta a todos, na maior normalidade do mundo, que pretende se vingar e esclarecer os fatos que cercam a morte da irmã.
O desenrolar da narrativa é o esperado para uma obra do estilo, com alternâncias entre flashbacks e momentos presentes, como em um grande quebra-cabeças, para que o espectador e o próprio Alex remontem os acontecimentos para revelar o que realmente aconteceu, estrutura muito similar à de "White Lines", por exemplo.
Neste ponto, “Quem matou Sara?” é bem eficaz. Aparentemente todos os Lazcano, e também alguns funcionários da família, tinham motivos para querer a morte da jovem. A cada nova pista, um novo suspeito aparece nas investigações de Alex e o texto nos leva a crer, sem a menor sombra de dúvida, que aquela pessoa é a culpada.
Essas idas e vindas que marcam o gênero funcionam bem na série, mas a ideia de confundir a audiência é tão forte que o roteiro se esforça demais, exagerando em algumas situações e em composições de personagens. Cesar Lazcano talvez seja o grande epítome desse problema. O patriarca é um dos mais maldosos personagens já colocados em uma obra audiovisual, um vilão caricato, exagerado e incapaz de despertar qualquer tipo de simpatia. A impressão é de que ele seria capaz de chutar uma grávida desconhecida na rua antes de empurrá-la para baixo de um caminhão apenas por prazer.
Mariana (Claudia Ramirez), esposa de Cesar, não fica muito atrás do cônjuge. A mãe dos irmãos Lazcano só se distancia do marido pelas aparências e por uma postura supostamente mais conciliadora, mas também é construída com traços fortes, uma mistura de Carminha, Nazaré Tedesco e Raquel (a irmã gêmea da Ruth), mas que talvez encontre seu par na eterna Paola Bracho, personagem de Gabriela Spanic na novela mexicana “A Usurpadora”.
A comparação da série com as novelas brasileiras e mexicanas é inevitável, pois, em sua essência, “Quem matou Sara?” é um grande dramalhão mexicano filmado com estrutura e pegada de série. Com 10 episódios de pouco mais de 35 minutos cada, a narrativa se afunda nas subtramas e perde a oportunidade de investir na questão que dá título à série. Todo o arco de Clara (Fatima Molina) e sua relação com José Maria (Eugenio Siller) e Lorenzo (Luis Roberto Guzmán) é desnecessário e existe apenas para criar um núcleo narrativo próprio para um dos irmãos Lazcano, uma história que sobra na série, como se o conflito de José Maria com a família já não fosse forte o bastante.
O tempo gasto com as subtramas (há várias) faz falta no desenvolvimento da trama principal, na construção de personagens e na relação de Elisa (Carolina Miranda) com Alex. Quando algumas coisas começam a fazer sentido, fica claro que não chegaremos a uma resposta satisfatória, muito pelo contrário. “Quem Matou Sara?”, como uma boa novela, deixa tudo para o próximo capítulo, ou, no caso, para a próxima temporada - há até um “cenas da próxima temporada” ao final do décimo episódio.
“Quem matou Sara?” é uma jornada divertida principalmente se não for levada a sério em sua construção de personagens e das relações que servem apenas para “apimentar” a história. Quando a própria trama tenta se levar a sério, se perde no discurso e incorre até alguns problemas de discurso, como nas revelações finais sobre Sara e em todo arco de um personagem que ganha um episódio inteiro de flashbacks para justificar seus atos.
Ao fim, ao menos para nós, brasileiros acostumados aos dramalhões mexicanos, assistir à série é uma experiência interessante. Em sua primeira temporada, “Quem matou Sara?” é um novelão com todas as características que marcam as produções mexicanas, mas compactado dentro de 10 episódios, ou seja, com reviravoltas o tempo todo, todas as traições e coincidências possíveis e impossíveis e com o texto sempre em movimento.
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