“Raised by Wolves” tem um início espetacular. Com direção de Ridley Scott (“Alien, o 8º Passageiro”, “Blade Runner”), que assina a produção, o primeiro episódio da série é eficaz ao nos apresentar seu universo e nos surpreender com seus protagonistas em uma virada que dá o tom de toda a narrativa. Há poucos cineastas melhores que Scott para esse estilo de ambientação em meio ao desconhecido.
A trama é centrada em Pai (Abubakar Salim) e Mãe (Amanda Collin), dois androides fugitivos de uma guerra religiosa que devastou a Terra. Eles chegam ao habitável planeta Kepler-22B com a missão de criar e proteger embriões humanos. Seis crianças nascem e são criadas por eles, mas elas, aos poucos sucumbem a doenças ou ao ambiente inóspito do planeta. Alguns anos depois, Campion (Winta McGrath), o embrião que mais sofreu para nascer, é a única criança sobrevivente.
Campion foi criado como ateu, seguindo as diretrizes de programação dos androides, mas quando uma arca de humanos crentes chega ao planeta, a família começa a ruir. Com características diferentes, Pai e Mãe já apresentam deterioração e sabem que não estarão presentes para Campion, por isso o androide acha necessário interagir com os humanos para que o filho possa ter companhia ao crescer. Mãe, por outro lado, quer que o filho mantenha distância da religião e de todos os mitraicos que destruíram a Terra.
Após o impacto do episódio inicial e suas consequências, “Raised by Wolves” passa para a parte do desenvolvimento e tropeça pelo caminho. Vamos descobrindo como funcionam os androides e o que os levou até lá; somos levados também para dentro da seita dos mitraicos quando o texto dedica tempo a desenvolver Marcus (Travis Fimmel, de “Vikings”) e Sue (Niamh Algar) desde seus dias na Terra, passando pela viagem a Kepler-22B até chegar ao novo planeta.
“Raised by Wolves” tem vários arcos que se misturam. Há a maternidade e os instintos de proteção de Mãe, há a religião, a paternidade, a humanidade e também o mistério sustentado pela ficção científica. Neste ponto, a série criada por Aaron Guzikowski se sai melhor quando envereda pelo desconhecido e pelas possibilidades às vezes bem bizarras do novo planeta. O roteiro, porém, nem sempre prioriza a ficção científica e aposta em arcos quase melodramáticos. Não são histórias ruins, mas elas acabam diluindo o charme inicial da série.
A narrativa se embola no meio e sofre também com a falta de carisma de quase todos os personagens, o que praticamente impossibilita uma identificação - acabamos não ligando para o destino deles. Apenas Pai, com piadas de tiozão e uma compreensão própria daquele mundo, conquista o espectador.
O roteiro aposta em várias alegorias e metáforas religiosas, nem todas muito sutis, para discutir alguns dogmas. A série discute o papel da fé e sua separação de uma estrutura religiosa. O niilismo inicial logo perde espaço para uma espécie de espiritualidade digital para Mãe no arco. É justamente por essas características que os vinte minutos finais da primeira temporada de “Raised by Wolves” chocam tanto.
Para responder algumas perguntas e fazer o roteiro andar, a série aposta muito no recurso de profecias, visões e delírios de dois personagens. É uma opção arriscada, que pode afastar o público quando utilizada de forma gratuita - funciona no caso da Mãe, que tem uma justificativa para suas visões, mas não no de Marcus. Em ambos os casos, as informações ajudam a entender não apenas o que vemos em tela, mas o que já aconteceu por ali e, consequentemente, o que pode vir a acontecer.
Mesmo perdendo o foco no meio do desenvolvimento, “Raised by Wolves” nunca se torna desinteressante, ela apenas não conduz a audiência pelos caminhos esperados. Com uma segunda temporada já confirmada, a série que chegou esta semana ao HBO Max no Brasil poderá desenvolver mais seus conceitos que ficaram em aberto e principalmente dar algumas respostas para quem terminou o décimo episódio sem entender direito ao que estava assistindo. Uma ótima opção em um gênero que hoje carece de boas produções na TV.
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