Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

“Reality Z”, da Netflix, é pura diversão trash e absurda

Série brasileira de zumbis adapta sucesso britânico "Dead Set", do criador de "Black Mirror", e expande o universo em uma trama de terror divertida e com qualidade de cinema

Publicado em 10/06/2020 às 00h01
Atualizado em 10/06/2020 às 00h01
REALITY Z
REALITY Z. Crédito: SUZANNA TIERIE/NETFLIX

Em 2008, quando a minissérie britânica “Dead Set” foi lançada, havia um consenso do esgotamento da fórmula dos reality shows como “Big Brother”. Dividida em cinco episódios curtos, a série de terror funcionava como uma crítica ao novo consumismo, transportando o lugar de segurança de um apocalipse zumbi dos shoppings, antigos templos de consumo, para a casa mais vigiada da Inglaterra, um lugar que oferece consumo de vidas, de hábitos, uma nova forma de capitalismo. Agora, 12 anos depois, coincidentemente após uma das mais populares edições do “Big Brother Brasil”, a Netflix lança “Reality Z”, série nacional que adapta o sucesso britânico com bom resultado.

Vendida equivocadamente com o rosto de Sabrina Sato como atração principal, a série criada por Cláudio Torres (“O Homem do Futuro”) é muito mais que isso. O texto leva para o serviço de streaming a mesma história de “Dead Set”, mas com um tempero nacional, um universo expandido e questões atualizadas mais de uma década depois.

Ao invés do “Big Brother” (questões de licenciamento), o “Olimpo” - um programa em que participantes ganham nomes de deuses gregos e semana após semana são eliminados no “sacrifício”. A trama tem início em um dia de eliminação, quando o apocalipse zumbi estoura nas ruas do Rio de Janeiro e chega aos bastidores do “Olimpo”; o único lugar seguro parece ser dentro da casa comandada pelo insuportável Brandão (Guilherme Weber). Após sobreviver aos ataques e tentar fugir, a produtora Nina (Ana Hartmann) entra na casa e conta para os participantes o que está acontecendo do lado de fora, agora cabe a eles escolher o que fazer no meio disso tudo.

“Reality Z” tem um episódio piloto impecável, com excelente qualidade de produção e ótima ambientação. Enquanto o arco principal permanece praticamente intocado em relação a “Dead Set”, dos diálogos aos enquadramentos, passando pelas viradas de roteiro, a trama paralela difere bastante da britânica - apesar de levar ao mesmo ponto da história. Sai o namorado de Nina e entra uma família e um deputado corrupto tentando chegar ao Olimpo.

Ana Hartmann é Nina em
Ana Hartmann é Nina em "Reality Z". Crédito: SUZANNA TIERIE/NETFLIX

A série brasileira também tem uma estética mais leve e bem-humorada, mas não se esquece do terror - “Reality Z” é, em sua essência, uma minissérie de terror thrash e muito gore. Os zumbis (nunca chamados assim pelo texto) são bem ameaçadores, com excelente maquiagem, e bem filmados em situações que causam repulsa ao espectador.

Com 10 episódios, a série expande o universo criado Charlie Brooker (“Black Mirror”) de maneira interessante. Mesmo que a história paralela não seja tão convincente a princípio, quando as tramas se encontram abre-se um leque de possibilidades a serem exploradas pelo roteiro. A grande sacada de “Reality Z” é brincar com o apego do público aos personagens - todos podem morrer durante o fim do mundo.

A série usa bem o Rio de Janeiro em sua ambientação e o tempo todo mostra o caos que se tornou a cidade. Ela também aproveita sua locação para falar sobre violência policial, racismo e classismo de forma pouco sutil, mas funcional. A figura do deputado Levi (Emílio de Mello) é outro toque que mostra um pouco mais de Brasil. O texto também adapta os participantes para uma pegada mais brasileira - o motoboy paulista (mesmo que João Pedro Zappa não consiga esconder o sotaque carioca), a influencer fit, a menina ingênua que se apaixona, o agroboy… Todos estereótipos que estamos acostumados a deixar entrar em nossas casas.

Sabrina Sato faz pequena participação em
Sabrina Sato faz pequena participação em "Reality Z". Crédito: SUZANNA TIERIE/NETFLIX

“Reality Z” tem problemas narrativos em alguns momentos, mas os episódios curtos e a ágil trama principal garantem que a série não se torne chata. Há também uma clara diferença no tom de alguns episódios - os dirigidos por Cláudio Torres são bem superiores, com fotografia e condução mais próximos de cinema, enquanto os comandados por Rodrigo Monte parecem mais simples.

A série corrige o tom de “Dead Set” para os dias de hoje. A metáfora agora, porém, não é sobre o consumo de massa e a zumbificação causada pelos realitys shows (como a última cena da série inglesa deixa claro), ela acerta em cheio a cultura do novo capitalismo, do consumo de vidas, da exposição e de julgamentos.

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