Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Recomeço", da Netflix, é um bom melodrama com história real

Com muito drama e romance, "Recomeço" acompanha a jornada de altos e baixos de um casal multi-cultural ao longo de anos

Vitória
Publicado em 21/10/2022 às 21h00
Série
"Recomeço" é a história de uma jovem americana que se apaixona por um chef italiano. Crédito: Jessica Brooks/Netflix

É difícil falar de uma obra produzida justamente para se encaixar no modelo que merece tal crítica. Adaptando o livro de memórias homônimo da atriz Tembi Locke (lançado no Brasil pela editora Intrínseca), a minissérie “Recomeço”, da Netflix, é um melodrama de forte pegada novelesca e com tudo o que se espera do gênero: encontros, desencontros, romance, dramas familiares, doença, cabelo caindo, superação…

“Recomeço” é a história de Amy (Zoe Saldaña), uma jovem americana que conhecemos no momento em que chega a Florença, na Itália, para estudar Artes. Neste primeiro momento, a série abusa dos estereótipos - os italianos são imprudentes e xingam no trânsito enquanto mexem as mãos, mas também são afetuosos e abraçam a americana deslocada. Amy vem de uma família de boas condições no conservador Texas, mas seu pai não quer vê-la estudando Artes, mas sim retornando à tradicional universidade de Georgetown, na qual cursa Direito.

Logo em sua chegada à Itália, Amy conhece Lino (Eugenio Mastrandea), um charmoso chef de cozinha siciliano tentando a vida por lá. A química é imediata, mas é claro que estamos em um melodrama, então a situação não se resolve tão facilmente. O primeiro episódio de “Recomeço” tem todos os arcos de “Comer, Rezar e Amar”, se distanciando bastante da originalidade, mas cumpre seu papel de introdução daqueles personagens que acompanharemos ao longo de uma longa jornada.

Dirigida por Nzingha Stewart ("Little Fires Everywhere" e "Maid"), “Recomeço” vai de Florença para Los Angeles, com passeios pela Sicília, sempre com alguma passagem de tempo relevante entre episódios, recurso que até remete a “This is Us”, mas sem as idas e vindas. Os episódios têm arcos normalmente bem definidos, apresentando um novo conflito e também solução para ele - tudo, claro, é conectado pelo conflito principal.

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"Recomeço" é a história de uma jovem americana que se apaixona por um chef italiano. Crédito: Jessica Brooks/Netflix

Enquanto Amy em Florença era uma presença quase cômica acerca de outra cultura, Lino em Los Angeles é o não-pertencimento em sua forma crua, um chef italiano que não consegue se estabelecer em uma nova cidade e ainda enfrenta preconceito de seus compatriotas por ser siciliano ("A Sicília é praticamente outro país, uma outra cultura", explana uma personagem). A série trata esses conflitos culturais inicialmente como algo engraçado e caricato ao extremo - o futebol, tão amado por Lino, parece algo de outro planeta para Amy; da mesma forma, os costumes texanos da família da protagonista, quase em um mea culpa, são transformados em piadas.

É necessário começar a série com uma certa “ingenuidade” que torne factível Zoe Saldaña, uma mulher de 44 anos, interpretar uma jovem estudante universitária. Superado isso e o excesso de caricaturas, é possível desfrutar da química entre a atriz e o ótimo Mastrandea em um relacionamento que convence em todos os aspectos. O drama com os familiares de ambos se estende mais do que o necessário para o bom andamento da trama, mas não compromete a experiência.

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"Recomeço" é a história de uma jovem americana que se apaixona por um chef italiano. Crédito: Jessica Brooks/Netflix

A série também funciona como uma experiência de conexão de diferentes culturas e alguns desafios/piadas que isso traz. As pessoas que vivem ao redor de Amy e Lino são interessantes o suficiente para sustentar um pouco mais essa história, como Zora (Danielle Deadwyler), irmã de Amy, uma mulher cheia de sentimentos reprimidos; só é uma pena que esses sentimentos não se tornem um conflito em um momento melhor, utilizados no exato momento que o grande drama é revelado.

“Recomeço” sofre com um roteiro cheio de coincidências típicas de novelas e com um texto que caminha muito sobre o limite do melodrama, entre o que emociona e o que constrange. Apesar de arcos (muito) dramáticos, falta força à minissérie da Netflix para fugir da previsibilidade e para se relacionar com o espectador. Em vários momentos, a série ironicamente parece apressada apesar de ter tempo o suficiente para desenvolver seus arcos. O texto tem tempo para trabalhar os conflitos, mas o faz de forma picotada, em pequenas doses, e nunca nos envolve, de fato, neles.

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"Recomeço" é a história de uma jovem americana que se apaixona por um chef italiano. Crédito: Jessica Brooks/Netflix

Há também um excesso de linguagem novelesca, com pessoas se ajoelhando e chorando diante de uma notícia ruim, ou com mudanças repentinas de comportamento de alguns personagens para que a trama chegue a determinado ponto. Há alguns ensaios de algo mais profundo quando a série trata da proximidade do fim e do vindouro luto, mas o texto não leva esses ensaios adiante. A sensação que temos é de que os personagens são mais interessantes do que a série faz parecer, ou seja, o roteiro falha em nos apresentar seus protagonistas na totalidade.

É possível enxergar possibilidades narrativas distintas que deixariam a série mais interessante, mas, ao fim, “Recomeço” é um melodrama que funciona para seu público alvo, apesar dos defeitos, e que deve emocionar espectadores da Netflix. A plataforma com certeza tinha esse produto novelesco em mente quando encomendou a série na confiança de sustentá-la com o carisma e a química de Zoe Saldaña e Eugenio Mastrandea.

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