Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Resident Evil": série da Netflix é surpreendentemente boa

Série de "Resident Evil" na Netflix utiliza cenários e acontecimentos dos jogos para contar uma nova história com arcos dramáticos que surpreendem positivamente

Vitória
Publicado em 14/07/2022 às 17h17
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Série "Resident Evil", da Netflix. Crédito: Marcus Cruz/Netflix

A relação entre jogos e cinema nunca foi da mais harmônica. Por anos, jogos de sucesso tiveram adaptações fracassadas para uma dramaturgia sempre falha em captar a essência dos jogos. As adaptações mais bem-sucedidas foram as que mais se afastaram de seu material original, como “Resident Evil” (2002), talvez a única franquia de jogos a ter vida longa nos cinemas antes de “Sonic” (2020) ou da adaptação de “Halo” para a Paramount+.

Com sete filmes live-action, “Resident Evil” ganhou vida própria nos cinemas com obras de qualidade duvidosa e normalmente massacradas por boa parte da crítica e público - quando elogiei “Resident Evil: Retribuição” (2012) no jornal “A Gazeta”, a redação recebeu ligações no dia seguinte para dizer que “esse estagiário não entendia nada de cinema”. Mesmo assim, a franquia tem fãs, um nicho que a sustentou durante duas décadas e agora justifica o lançamento de “Resident Evil: A Série” pela Netflix.

Em oito episódios, a série não adapta arcos já existentes nos jogos, e sim cria novas histórias que, ao contrário dos filmes, sempre mais preocupados em um próprio lore, navegam entre eventos dos games e utilizam os acontecimentos da série de jogos como cenário para a história. Mesmo passando despercebido por quem não jogou (ou não se lembra de detalhes dos jogos), o recurso funciona para conectar a série aos fãs dos jogos e também para acrescentar algumas camadas ao texto.

A narrativa se divide em duas linhas temporais narrativas: 2022, logo após o apocalipse zumbi; e 2036, quando acompanha Jade Wesker (Ella Balinska) em um mundo destruído estudando os infectados em busca de uma cura. Em 2022 encontramos uma jovem Jade (Tamara Smart) e sua irmã, Billie (Siena Agudong), recém-mudadas para Raccoon City ao lado do pai, Albert Weksler (Lance Reddick), para a nova comunidade fundada após a infestação inicial. Nessa linha, que dialoga diretamente com os três primeiros jogos, existe um estranhamento com os novos moradores e ninguém gosta de falar sobre histórias de antes da cidade sucumbir ao vírus. A repaginada neo-Umbrella, após bombardear a antiga Raccoon para conter o vírus, agora vende uma imagem de modernidade e proximidade com a comunidade que criou. 

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Série "Resident Evil", da Netflix. Crédito: Marcus Cruz/Netflix

Deixando os monstros e o terror de lado, “Resident Evil” faz um trabalho interessante ao traçar paralelos entre Jade e Billie em cada linha narrativa. Da mesma forma, o texto nos leva a questionar como aquele mundo de 2022 se tornou no que vemos 14 anos depois, quando há mais infectados do que sobreviventes. A série também funciona nas cenas de ação, com boas sequências que, mesmo não sendo brilhantes, cumprem seus objetivos.

O roteiro não é sutil ao trazer a Umbrella novamente envolvida com experimentos para um novo e possivelmente milagroso remédio - a ganância da indústria farmacêutica é um dos vilões favoritos da indústria de dramaturgia dos EUA. Mesmo sem a sutileza, porém, o arco funciona, pois acompanhamos a executiva Evelyn (Paola Nuñez) argumentando pela utilização do vírus em novos medicamentos em um dos arcos enquanto o outro mostra os efeitos daqueles atos.

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Série "Resident Evil", da Netflix. Crédito: Marcus Cruz/Netflix

A ideia de apresentar novas personagens ao invés de apostar em nomes que já passaram pelos jogos funciona ao despertar interesse - ajuda também o fato de as duas serem relativamente bem desenvolvidas com as peças de ambos os arcos. O Albert Wesker de Lance Reddick, no entanto, pode causar certo estranhamento ao se distanciar daquele personagem vilanesco conhecido nos jogos; na série, ele é um pai atencioso e um cientista talentoso, mas claramente guarda segredos que garantem seu desenvolvimento nessa primeira temporada.

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Série "Resident Evil", da Netflix. Crédito: Marcus Cruz/Netflix

Apesar de ter hordas de zumbis e monstros variados, principalmente no arco do futuro, e algumas sequências tensas, “Resident Evil” não é necessariamente uma série de terror, tendo seu foco nos personagens. É irônico, porém, que a série ambientada no universo dos jogos e com conexão com eles também pareça um pouco descolada do cânone - a nova versão de Wesker, por exemplo, dá indícios de uma realidade paralela, uma nova mutação de “Resident Evil”.

Com arcos dramáticos que surpreendem positivamente (o de 2022 é ótimo) e diversas possibilidades, a série da Netflix talvez seja a melhor e mais fiel adaptação de “Resident Evil” para as telas, mas dificilmente terá apelo com quem não jogou os jogos. Até mesmo para quem já se aventurou por todos, uma recapitulação dos acontecimentos é interessante para se conectar melhor com a série.

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Série "Resident Evil", da Netflix. Crédito: Marcus Cruz/Netflix

“Resident Evil: A Série”, ao fim, é uma boa surpresa. A Netflix acerta ao criar uma história original atrativa que parece conectar filmes e jogos em um universo próprio. A série nem sempre é boa, mas o saldo da temporada, com bons personagens, boas histórias e efeitos especiais bem superiores aos dos filmes recentes da franquia, é muito positivo. Agora é só torcer para que a série seja renovada e possamos finalmente ver como o texto planeja conectar essas duas linhas narrativas.

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