O cineasta Rodrigo Aragão pode continuar morando e fazendo seus filmes em Guarapari, mas seu cinema há tempos ganhou o mundo. Desde o lançamento de "Chupacabra", seu primeiro curta, o terror do cineasta capixaba roda festivais mundo afora - não à toa ele se tornou uma espécie de mestre dos filmes de baixo orçamento e já foi parar até no "Conversa com Bial".
Filho de um dono de um pequeno cinema (que também se arriscava na mágica), o guarapariense de 43 anos começou cedo a trabalhar com efeitos especiais e maquiagem. Em 2000, criou um espetáculo de terror itinerante, o "Mausoleum", e caiu na estrada levando sustos e criaturas fantásticas para o interior do Brasil. "Mangue Negro", seu primeiro longa, foi filmado totalmente no quintal de casa, na aldeia de pescadores do Perocão, em Guarapari, com R$ 50 mil, e até hoje o cineasta não parou.
Apaixonado pelo que faz ("sou um privilegiado", afirma), Rodrigo continua trabalhando em Guarapari e espalhando a magia do cinema a todos que o cercam. "O Cemitério das Almas Perdidas", seu novo filme, gerou cerca de 200 empregos diretos e movimentou a economia local. A produtora Fábulas Negras, criada por ele, também promove oficinas e cursos de formação de profissionais para cinema, qualificando pessoas a trabalharem na área.
"O Cemitério das Almas Perdidas", exibido no CineFantasy este mês, deve ganhar novas sessões ainda em 2020. O filme é mais uma prova de que mesmo se mantendo fiel às criaturas fantásticas e aos monstros que cria, Rodrigo arrisca - a narrativa traz um roteiro mais conciso, com o diretor preocupado em contar bem uma boa história ao invés de apenas repetir fórmulas que deram certo.
Enquanto suas óbvias referências são os inícios de carreira de cineastas como Sam Raimi e Peter Jackson, Rodrigo também bebe muito na fonte narrativa de sagas como "Star Wars". Juntando tudo, seu cinema é acima de tudo divertido, um ótimo entretenimento.
O sujeito que cria monstros e zumbis é também um cara dócil, de fala mansa e muito bom humor. Na entrevista abaixo, Rodrigo fala sobre o filme, a carreira e afirma que o cinema deveria ser levado mais a série como um fomentador econômico. Confira.
Como foi trabalhar com um orçamento maior? O que isso possibilitou ao filme?
Principalmente dignidade. Ter uma equipe do tamanho certo, com boas condições de trabalho e prazos justos para todas as etapas do projeto reflete diretamente na qualidade final do filme.
Mesmo com recursos você optou por uma equipe praticamente toda caseira. Por quê?
Sempre achei importante o filme ser o mais capixaba possível já que nosso Estado tem ótimos profissionais. Trabalho com alguns deles há bastante tempo, aprendendo e melhorando tecnicamente juntos.
É seu filme mais conciso, o mais preocupado em contar uma história. É por aí mesmo?
É uma história que está na minha cabeça há muitos anos. Também fomos contemplados com um edital de desenvolvimento em 2016, que possibilitou, entre outras coisas, ter o roteiro analisado por um profissional reconhecido do mercado e sem ligação com o gênero propriamente. Acho que isso ajudou bastante.
Você ficou conhecido com os filmes de zumbi, os efeitos práticos e as maquiagens. “Cemitério” tem menos disso, um uso mais contido e guardado bem até o clímax do filme. Fica com receio que digam que você “não é mais o mesmo”?
Todos os meus filmes são bem diferentes um do outro e me orgulho muito disso. Tentar coisas diferentes é fundamental para o desenvolvimento profissional de toda equipe e gosto muito de novos desafios. Em "O Cemitério das Almas Perdidas" estava ansioso para fazer lutas com espadas. Um efeito colateral disso é frustrar os fãs mais saudosistas que sempre esperam por outro "Mangue Negro".
Rodrigo Aragão
Cineasta
"O filme envolveu o trabalho de quase duzentas pessoas diretamente e mais algumas centenas indiretamente. Foram meses de pré-produção, envolvendo aluguéis de imóveis, muito material de construção, alimentação, transporte, além da capacitação de várias pessoas com oficinas de cenografia, atuação para cinema e efeitos especiais"
Você já disse que essa história estava pronta há muito tempo, que era um sonho tirá-la do papel. Como foi ver o filme ganhar vida? Você conseguiu fazer exatamente do jeito que sempre sonhou?
Realizar um sonho antigo é uma experiência maravilhosa que todo ser humano deveria experimentar pelo menos uma vez na vida. O "Cemitério" que está na tela é muito diferente do que estava na minha cabeça há vinte anos atrás, e acho isso importante. Quando reunimos tanta gente talentosa para realizar um filme, todos dão sua contribuição artística, e isso muda tudo. Também temos a questão do orçamento, que não é tão grande assim para este tipo de filme.
O filme tem uma característica bem legal que é funcionar bem regionalmente, com referências à História do ES, mas também contar uma história universal. É uma preocupação sua?
Sem dúvida. É um roteiro clássico sobre o bem e o mal, repleto de elementos muito comuns do universo fantástico. A melhor maneira de deixar o texto original é ser o mais regionalista possível, isto o torna diferente de qualquer outro filme feito no mundo.
Lembro de um texto crítico publicado no Pensar sobre a presença dos jesuítas no ES . Recebemos muitas críticas de leitores ligados à religião. Você tem receio de reações assim ou transformar tudo em um grande terror fantástico alivia um pouco isso?
Não queríamos fazer um filme histórico. Acho que isto seria muito mais complicado e não tenho interesse nem capacidade para isso, então a proposta sempre foi uma fantasia total, em um Brasil imaginário, que usa a realidade apenas como fonte de inspiração. Isso deixa tudo mais divertido e aumenta muito as possibilidades do roteiro.
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O filme foi feito com recursos do Fundo Audiovisual, gerou empregos e ajudou na formação de profissionais. Tudo isso num momento em que a cultura é mal-interpretada, considerada um supérfluo. Como é produzir cultura underground em um momento como o que vivemos?
O filme envolveu o trabalho de quase duzentas pessoas diretamente e mais algumas centenas indiretamente. Foram meses de pré-produção, envolvendo aluguéis de imóveis, muito material de construção, alimentação, transporte, além da capacitação de várias pessoas com oficinas de cenografia, atuação para cinema e efeitos especiais. Além disso, levamos o nome de Guarapari, Espírito Santo e Brasil para todo o mundo através de festivais e da distribuição internacional. A maior parte dessa renda volta para a Ancine (e para o Fundo Audiovisual para fomentar outras produções). Muita gente não consegue entender, mas investir em cinema é um ótimo negócio para um país.
O filme tem muito mais “estúdio” do que ambientes abertos. Por quê? Uma necessidade do roteiro?
Oitenta por cento do filme foi feito em estúdio. Foi um grande desafio construir os quase vinte cenários que o roteiro exigia, mas ter um controle total do clima e da iluminação deu ao filme uma atmosfera mágica de que nos orgulhamos muito.
Muito do que é visto no filme também estava no seu museu. Achei massa ver tudo isso em tela. A ideia surgiu dali mesmo, depois de ver o que foi construído para o set do filme?
No início dos anos 2000 eu comandava um grupo de teatro chamado Mausoleum (mesmo nome do grupo do filme). Nós viajamos por parte do país assustando as pessoas e isso me fez adorar mostrar para pessoas os monstros ao vivo. Depois de vinte anos fazendo monstros para o cinema, tenho um grande acervo. Quando chegou a hora de desmontar os cenários de "O Cemitério das Almas Perdidas", achei que seria ótimo montar um museu. Durante um ano ele funcionou passando por Guarapari e dois shoppings capixabas, mas infelizmente o coronavírus nos fez fechar por tempo indeterminado
Já devo ter te perguntado isso, mas já pensou na possibilidade de não ser um “diretor de terror”, de caminhar pra outras histórias como, por exemplo, o Peter Jackson fez?
Claro, não teria nenhum problema com outros gêneros. Gosto muito do cinema fantástico e acho o terror o mais divertido. Fantasia seria minha segunda opção. Acho viver de cinema um privilégio e não teria problema de fazer qualquer outro tipo de filme para sustentar minha família.
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