Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Rodrigo Sant'Anna: "É hora de tornar as histórias mais plurais"

Ator, roteirista e showrunner de "A Sogra que te Pariu", que chega à Netflix dia 13, Rodrigo Sant'Anna fala sobre o humor brasileiro e a importância de se levar figuras do subúrbio para o "mundão"

Vitória
Publicado em 12/04/2022 às 12h27
Série
Elenco da série "A Sogra que te Pariu", de Rodrigo Sant'Anna, na Netflix. Crédito: Helena Barreto/NETFLIX

Rodrigo Sant’Anna é chorão. Durante os 20 minutos de entrevista para divulgar “A Sogra que te Pariu”, série que lança nesta quarta (13 de abril) na Netflix, o ator criado na favela do Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, se emocionou três vezes. “Eu me emociono um pouco porque é realmente nisso que eu acredito”, explica Rodrigo.

“A Sogra que te Pariu” leva para a Netflix o humor de sitcom brasileiro que se consagrou com “Sai de Baixo” nos anos 1990 e se tornou o padrão de modelo do humor do Multishow, com aspecto teatral e plateia, algo praticamente inexistente no vasto catálogo da plataforma. “É algo que a gente vem fazendo no Brasil com muita propriedade”, pondera o ator, antes de completar: “Eu tenho fé, Rafael! Estou orando aos deuses de todas as religiões possíveis e imagináveis (risos)”.

Série
Bastidores da série "A Sogra que te Pariu", de Rodrigo Sant'Anna, na Netflix. Crédito: Helena Barreto/NETFLIX

As gravações, vale ressaltar, foram o primeiro contato de Rodrigo com plateia desde o início da pandemia. "Foi um retorno de plateia pra mim. Mesmo mascarada, a plateia me deixou.... tipo.... Vocês já viram que eu sou chorão, e no primeiro dia de plateia eu chorei", revela.

Seguindo a tradição do humor brasileiro, a série explora caricaturas e bordões. Rodrigo Sant’Anna também é roteirista e showrunner de “A Sogra que te Pariu”, o que dá a ele um controle total sobre a história que nasceu durante a pandemia, quando a mãe e a avó do ator foram morar com ele e o marido no período que seria apenas de algumas semanas.

Rodrigo garante que, apesar de toda o humor caricato, várias das situações da série realmente ocorreram, mesmo que sejam potencializadas para fins humorísticos. Na entrevista abaixo, Rodrigo Sant’Anna fala sobre o humor brasileiro e reforça a importância da representatividade de seus trabalhos. “Pra mim é muito emocionante poder catapultar essas pessoas pra esse mundão, sabe?”, explica. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

"A Sogra que te Pariu" é um tipo de série que a Netflix ainda não tem no catálogo. É uma produção diferente, algo que o humor brasileiro se especializou em fazer desde o sucesso do "Sai de Baixo", acho que é sua escola. Como acha que vai ser recebido pelo público da plataforma?

Eu tenho fé, Rafael (risos). São questões que a gente tem todos os dias o tempo inteiro. Quando a gente rolou a aprovação pra gente desenvolver o projeto, deu um frio na barriga, até por tudo isso que você falou. Em contrapartida, acho que é algo que a gente vem fazendo no Brasil com muita propriedade, então é a hora de a gente dividir isso com a galera, eu fico ansioso em dividir isso com os 193 países que a Netflix alcança. Eu tô orando aos deuses de todas as religiões possíveis e imagináveis pra dar certo (risos). Ora comigo, Rafael!

Quando a série foi inicialmente divulgada, em setembro de 2021, você disse que se inspirou muito na sua mãe e na sua avó, que foram morar com você e seu marido na quarentena. Queria saber o quanto dessas situações você trouxe pra série e também se elas já saíram da sua casa (risos)...

(risos) Graças a Deus, senão eu não tinha nem condição emocional de estar aqui hoje (risos). Elas já saíram lá de casa tem um tempo, mas tem muita coisa da série que eu vivi. É óbvio que a gente tem criatividade pra dar uma aumentada, mas a gente tinha situação muito similar. Tem uma situação que o Carlos tá na internet e eu tô gritando "sai dessa internet" e ele responde "tô numa reunião". Na cabeça dela, tá no quarto trancado, não tá em reunião, não tá fazendo nada que impeça de descer pro almoço, e era uma reunião importante. A coisa de pedir comida também, minha mãe ficava infernizando pra escolher. "Isso eu não como, isso eu não gosto", aí eu dizia "então escolhe", e ela dizia "não sei o que eu quero, me ajuda" (risos). Tem muita coisa que a gente aproveitou dessa rotina pra levar pra série. Hoje eu agradeço (risos), pois se não fosse ela me infernizando, a gente não estaria batendo esse papo agora.

Queria saber sobre a concepção da série e sobre como você se sente sendo seu próprio showrunner da sua própria sitcom.

Lembra da fé? (risos) Mais uma vez ela aparece. Falando sério, é muito legal você ser o seu próprio showrunner porque você consegue aplicar seu ponto de vista em todos os tópicos, figurino, cenário, trilha sonora... Porém, isso te agrega uma responsabilidade de que se tudo der certo, ótimo, mas se não der certo, foi eu mesmo que errei, "desculpa e é isso aí". É como tudo na vida que tem dois lados. Você tem a possibilidade de fazer do seu jeitinho, mas isso te agrega uma responsabilidade que talvez o seu jeitinho... Tô rezando pra que o meu jeitinho agrade.

Rodrigo Sant'Anna

Ator e criador de "A Sogra que te Pariu"

"Sou cria da comunidade do Morro dos Macacos, na Vila Isabel, sou de dentro da comunidade. Minha tentativa é trazer o protagonismo. Ainda que essas figuras sejam engraçadas, elas têm histórias que merecem ser contadas com a relevância que elas merecem. Pra mim é muito emocionante poder catapultar essas pessoas pra esse mundão, sabe?"

A sitcom brasileira tem uma pegada completamente diferente, ela é mais teatralizada do que qualquer outro sitcom. Como foi fazer a atuação, porque dá pra ver que as atuações são grandes, pra fora, e isso vem muito do teatro de comédia brasileiro. Como foi esse processo de preparação artística?

Isso é um pouco das nossas apostas, trazer essa brasilidade na interpretação. Assim como as novelas que tratam de América Latina, que a gente acaba chamando de novela mexicana, mas existem muitas variáveis, essa cara é um pouco da personalidade da comédia desse tipo de situação, das nossas sitcom, de ter essa levada um pouco mais expansiva, mais pra fora, que eu acho que é a nossa brasilidade. Eu fico com a sensação que a gente lá fora sempre vai ser quem tá falando mais alto, que tenta falar um inglês sem saber falar (imita um diálogo), numa mistura... A gente tem esse jeitinho brasileiro que talvez seja a personalidade da série. Eu fico feliz que a gente leve isso pra fora. É isso, se der certo a gente volta a se falar, senão, não me procura que eu vou ficar envergonhado (risos).

A sua produtora, Os Suburbanos, que também é a produtora da série, se especializou muito em dar vida a figuras suburbanas tornando-as as protagonistas das histórias. Você fez isso em sua carreira no cinema, na TV, e é cria do subúrbio carioca, da comunidade da Vila Isabel. É importante pra você levar essas histórias de gente periférica que sempre era alívio cômico de novelas e séries e agora vira protagonista da própria história e ganha o mundo?

Sou cria da comunidade do Morro dos Macacos, na Vila Isabel, sou de dentro da comunidade. Acho que é isso. Minha tentativa é trazer o protagonismo ainda que essas figuras sejam engraçadas. Elas têm histórias que mereçam ser contadas com a relevância que elas merecem. Pra mim é muito emocionante poder catapultar essas pessoas pra esse mundão, sabe? Saber a história da Izadir, que vive no Cachambi, que é uma professora aposentada que criou um filho com as precariedades de uma periferia, que é um ônibus que demora, um esgoto à céu aberto que fica a dias ali... Tem uma fala durante a série que ela fala "o asfalto pode ser de segunda, as casas podem ser de terceira, mas as pessoas são de primeira" (com voz embargada). Eu me emociono um pouco porque é realmente nisso que eu acredito. São pessoas que merecem o nosso respeito, a nossa admiração porque são verdadeiras guerreiras.

Sua mãe já assistiu à série? Como ela se sentiu com essa homenagem?

Já assistiu sim. Eu ia recebendo os cortes e sempre mandava pra ela, é sempre a primeira executiva a quem eu recorro. Se ela sorrir, eu falo "ok, pode seguir". Ela é muito sincera. Ela já entendeu que eu vou usar a figura dela muitas vezes em muitas situações "ah, me sacaneou, tá bom, não tô me importando não' (imitando a mãe), essa é minha mãe. Ela já entendeu que eu vou usá-la e vou usá-la mais ainda porque ela é uma figura.

Você dá voz não só à parte periférica de quem não tinha voz antes. Se pararmos pra pensar, no "Sai de Baixo" eram todos brancos e que pertenciam ou tentavam pertencer a uma elite, como o Caco. Na sua série a gente vê situações de empoderamento feminino, com protagonistas negros... Queria que você falasse um pouco da representatividade que você conseguiu trazer pra série.

Olha, eu não gosto nem de ficar falando dessas coisas porque eu fico emocionado. Eu acho muita responsabilidade e me sinto muito grato ao universo por ter a Netflix hoje como parceira e poder contar essas histórias. Essas são as minhas histórias, é o que eu gostaria de ter visto com a minha avó, que veio do interior da Bahia com um caminhoneiro, ficou com esse caminhoneiro e teve minha mãe, mas tem mais dez filhos. Essas histórias mereciam ter mais coisas positivas, mereciam proporcionar à minha avó, na juventude, oportunidades como o Carlos e a Alice têm enquanto pessoas pretas, sabe? Oportunidade que eu, preto, morador de comunidade, gay, cheguei até aqui pra contar tudo isso... É realmente emocionante pra mim poder traduzir isso numa série que vai chegar a 193 países. É uma preocupação, sim, que a gente esteja falando dessas pessoas o tempo inteiro, dessas histórias. É hora de a gente tornar as nossas histórias mais plurais e dar lugar a essas pessoas, né? Vamos mudar um pouco os estereótipos que foram construídos até aqui.

Série
Série "A Sogra que te Pariu", de Rodrigo Sant'Anna, na Netflix. Crédito: Helena Barreto/NETFLIX

A série tem aqueles erros de gravação no final, que dá a impressão de que vocês se divertiram pra caramba durante as filmagens. Como foi o processo de gravação e a relação do elenco?

Foi péssimo (risos)! Mentira (risos)... Não tinha como ser péssimo. A gente não consegue esconder. Quando vai pros bastidores e a gente quebra o roteiro, o clima que a gente tava vivenciando é imediato, a gente já leva pro público o clima das gravações, "era assim, tá? A sacanagem rolava exatamente dessa maneira". Acho que por isso a gente consegue traduzir, no roteiro, esse humor. Acho que a gente chegou no resultado que a gente queria, que era essa leveza no humor.

A produção foi durante a pandemia, né? Como foi filmar com plateia nesse período? Foi um retorno seu aos palcos?

Tinha um protocolo que a gente (atores) seguia e a plateia foi condicionada a este mesmo protocolo. Foi um retorno de plateia pra mim. Mesmo mascarada, a plateia me deixou.... tipo.... Vocês já viram que eu sou chorão, e no primeiro dia de plateia eu chorei. Meu marido foi me abraçar antes de eu começar a gravação e eu falei "não me abraça agora senão eu vou desabar". Aí ele foi embora e eu desabei depois. Fazia muito tempo que eu não gravava com plateia e eu tava muito emocionado.

É algo essencial pra esse tipo de conteúdo, né?

Sim, nossa... Eles que dão o combustível pra gente, senão fica muito frio. Os profissionais do audiovisual já estão acostumados, mas a plateia vê aquilo com um olhar que brilha, e isso, pra gente que faz comédia, é fundamental. Toda plateia eu agradeço por estarem ali, por terem saído de casa, porque eles são tudo.

Todos seus personagens são muito físicos, você trabalha muito isso. Foi um desafio? Em alguns momentos você anda meio corcunda a série toda, mas em alguns momentos parece que esquece (risos)...

Você me desmascarou, né? Viu eu saindo do personagem, cacete... (risos). Tem alguns momentos que são propositais mesmo, tipo as corridas que ela dá, que o engraçado é justamente essa ruptura, pegar uma mulher com mais de 60, com algumas limitações físicas... Minha mãe tem 66 e poderia dar um trote daqueles facilmente, mas no geral, no inconsciente coletivo, ainda tem essa figura da senhora, um pouco mais frágil, que se mostra frágil pra fazer um drama, do nada dá um trote da porta da cozinha à porta principal, é uma quebra proposital pro humor.... Mas às vezes eu esquecia mesmo e perdia a porra da corcunda (risos).

As cenas em que você e a Solange (Teixeira) estão juntos são demais...

Ahhh, Solange, pelo amor de Deus! Solange é incrível, é um gênio, uma coisa!! É isso, foi um encontro de almas, somos dois arianos e eu adorei estar junto com ela. É exatamente isso, eu não sei explicar. Você vê em cena... A gente nunca trabalhou junto, mas a gente respeita a respiração do outro. Quando a gente saca a química de dois atores de comédia é quando a gente respeita a respiração do outro, porque talvez numa respiração vem uma piada que surge na hora, então fica aquela coisa de "vou deixar agora ela, vai vir alguma merda aí", e era recíproco. A gente se escutava e tinha uma admiração mútua, pelo menos da minha parte (risos). Eu ria várias vezes dela fazendo. Hoje em dia eu trabalho pra rir, se eu não estiver rindo, eu não faço.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Netflix comedia Humor Rafael Braz Streaming

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.