Em 1962, Sophia Loren se tornou a primeira vencedora de um Oscar de atuação (atriz ou ator) por um papel em um filme de língua que não fosse o inglês. Após a vitória por “Duas Mulheres”, a atriz foi novamente indicada ao mesmo prêmio em 1965, por “Matrimônio à Italiana”, e foi homenageada com um Oscar por conjunto da obra em 1991. Quem diria que agora, em mais de 10 anos após seu último filme, a lendária atriz italiana de 86 anos, uma das maiores da História do cinema, veria seu nome envolvido na corrida pelo Oscar mais uma vez por “Rosa e Momo”, lançado pela Netflix na última semana - caso seja indicada, a atriz terá o recorde do maior intervalo entre duas indicações (56 anos), superando Henry Fonda (41 anos).
Dirigido por Eduardo Ponti, filho de Sophia que já havia comandado a mãe em “Desejo de Liberdade” (2002), o filme adapta o livro “A Vida Pela Frente”, de Romain Gary, a história simples e delicada de Rosa (Sophia Loren), uma ex-prostituta sobrevivente do Holocausto que, após se aposentar das ruas, passou a cuidar das crianças de outras profissionais do sexo para que elas pudessem trabalhar tranquilas.
O caminho de Rosa logo se cruza com o de Momo (Ibrahima Gueye), uma criança de origem senegalesa órfã que vive de pequenos golpes pelas ruas da litorânea Bari, onde o filme se situa. Quando Momo rouba a bolsa de Rosa na rua, seu cuidador, o Dr. Coen (Renato Carpentieri), reconhece os objetos e faz com que Momo não apenas o devolva, mas passe um tempo morando com Rosa; não sem antes ter um "esforço" para convencê-la a aceitar o pequeno marginal.
A princípio, é óbvio, eles não se dão bem. Rosa e Momo são teimosos e pouco dispostos a ceder em uma relação, mas é claro que o convívio acalma os ânimos e dá início a uma bela amizade, uma estrutura narrativa não muito diferente da de “Intocáveis” (2012), um dos filmes mais queridos da última década.
É interessante ver como “Rosa e Momo” se desenvolve, com a inversão dos papéis de salvador entre os dois protagonistas à medida que a saúde de Rosa se deteriora. Ambos os personagens têm camadas interessantes a serem exploradas, não são pessoas perfeitas e tampouco fingem ser - Rosa é por vezes excessivamente dura com as crianças, e Momo, como Rosa mesmo diz, é um menino bom, mas com um “lado canalha”, algo que o filme também explora bem. As impecáveis atuações de Loren e Gueye, em seu primeiro papel, reforçam essa profundidade.
Vale ressaltar que em um filme tão focado em dois personagens, até a coadjuvante Lola (a trans Abril Zamora, de “Vis a Vis”) ganha um pequeno desenvolvimento e uma história pregressa; sua relação de afeto, amor e amizade com Rosa é muito bonita.
Apesar de toda carga dramática, “Rosa e Momo” também é cheio daqueles momentos afetivos que colocam um sorriso no rosto do espectador e aquecem o coração. Não é uma comédia, mas tem seus momentos divertidos e adoráveis, como a cena de uma dança ao som de Elza Soares pela sala da casa de Rosa.
Eduardo Ponti traz o texto de Romain Gary para os dias de hoje e o distancia da adaptação prévia, “Madame Rosa” (1977), muito mais focada em Rosa do que em Momo ou na relação entre eles. O diretor também aproveita para traçar paralelos entre uma sobrevivente de Auschwitz e a uma criança refugiada tragicamente órfã que nem sequer sabe o que foi o Holocausto, mas entende de preconceito e ódio. Impressiona a maneira como Ponti faz disso uma camada, e não o ponto principal de seu sentimental drama, criando uma sub-narrativa política sem nem um pingo de panfletagem.
“Rosa e Momo” é um drama perfeito para arrancar lágrimas de seu espectador, mas surpreendentemente faz isso sem grande esforço e sem forçar a barra - o sofrimento de Rosa durante a Segunda Guerra, por exemplo, fica apenas no imaginário. Ao fim, é um filme que comove por sua história de vida, amor, amizade, parceria e cumplicidade. É uma bela história com personagens incríveis e atuações que catalisam todo seu potencial.
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