Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Roubo Pelos Ares": Filme da Netflix é 100% genérico, mas diverte

Filme indiano "Roubo Pelas Alturas" aposta numa estética hollywoodiana de blockbuster, mas se rende também aos vícios da indústria americana e suas muletas

Vitória
Publicado em 28/03/2023 às 02h08
Filme indiano
Filme indiano "Roubo Pelos Ares", da Netflix, aposta numa estética hollywoodiana. Crédito: Netflix/Divulgação

A indústria de cinema da Índia é a maior do mundo em venda de ingressos. São mais de 1500 filmes longa-metragem produzidos por ano, o que a coloca também como segunda indústria em números de lançamentos, atrás apenas da nigeriana. As produções locais, tanto da badalada Bollywood quanto a de outros polos do país, fazem muito sucesso por lá e, às vezes, furam a bolha, como aconteceu com o fenômeno “RRR”, filme em idioma telugo, feito fora de Bollywood, mas distribuído globalmente pela Netflix e vencedor do Oscar de Melhor Canção em 2023.

A estética do cinema indiano, principalmente de Bollywood, já se tornou pop para o ocidente e até já ganhou o Oscar de Melhor Filme com o britânico “Quem Quer Ser um MIlionário?”, de Danny Boyle. Fato é que, talvez até equivocadamente e de maneira generalista, se espera algo diferente do cinema indiano.

“Roubo Pelos Ares”, sucesso na Netflix, busca ir em outra direção. O filme do diretor Ajay Singh, talvez até por sua distribuição global, foge dos vícios da indústria indiana e aposta suas fichas na construção de um thriller de assalto ao estilo Hollywood. Logo conhecemos Ankit (Sunny Kaushal), mas o encontramos todo machucado enquanto presta depoimento para as autoridades no aeroporto.

Em uma sequência de flashbacks, o filme volta no tempo para nos fazer chegar ao momento de abertura, é quando somos apresentados a Neha (Yami Gautam), comissária de bordo que conhece Ankit durante um voo e, após alguma resistência da parte dela, acaba formando com ele um casal. A relação deles nunca é muito consolidada, pois o filme se apressa para mostrar Ankit sendo cobrado e ameaçado por um antigo empregador para pagar uma dívida “impagável”. A única solução para ele se livrar da dívida é roubar umas joias muito valiosas durante um voo.

Filme indiano
Filme indiano "Roubo Pelos Ares", da Netflix, aposta numa estética hollywoodiana. Crédito: Netflix/Divulgação

Filmado em Dubai, “Roubo Pelos Ares” passa longa da tal estética de filmes indianos e poderia ser situado em qualquer lugar do mundo. O filme se sustenta e se desenvolve na estrutura e nos clichês das tramas de assalto, o que não é necessariamente ruim, e constrói um cenário interessante para o segundo ato, o roubo em si. Há, porém, equívocos que parecem amadores, como a ameaça a vida de um personagem para criar tensão, mas já vimos, nas cenas iniciais, que o personagem está vivo no “futuro”, ou seja, não há nenhum risco real à vida dele e, consequentemente, nenhuma tensão na cena.

A sequência do avião, filmada de forma intencionalmente confusa para confundir o espectador, tem bons momentos. Em meio à ação, com direito a um sequestro e muita confusão, o roteiro dá pistas de viradas que virão adiante, surpresas das quais o filme depende para funcionar. É justamente por essa dependência que “Roubo Pelos Ares” derrapa no início do terceiro ato.

Filme indiano
Filme indiano "Roubo Pelos Ares", da Netflix, aposta numa estética hollywoodiana. Crédito: Netflix/Divulgação

É curioso notar que o caminho escolhido pelo roteiro, mesmo sem ser brilhante, não é ruim; o que incomoda é a maneira como ele faz essa mudança. A saída encontrada pelo texto para a maior das viradas é risível, involuntariamente cômica. A ironia é que o filma já caminhava para essa virada mesmo antes da descoberta, um recurso totalmente descartável à trama.

O desenvolvimento do terceiro ato abusa de didatismo e exposição, quase uma regra no gênero. Assim, não basta o espectador entender o que aconteceu, ele precisa ser levado a um flashback para ver o momento exato de tal acontecimento, seja um acordo, seja uma trapaça, seja uma artimanha em meio ao roubo, tudo é mostrado pelo filme para que não reste nenhuma dúvida - “Roubo Pelos Ares” não acredita na capacidade de seu público juntar algumas pontas e pistas. Não faz sentido algum a existência de links com "final explicado de Roubo Pelos Ares”, pois o filme elimina qualquer possibilidade de subjetividade.

Filme indiano
Filme indiano "Roubo Pelos Ares", da Netflix, aposta numa estética hollywoodiana. Crédito: Netflix/Divulgação

“Roubo Pelos Ares” é um filme genérico de assalto, um filme que deixa tudo explicadinho e que abusa das muletas de roteiro em uma narrativa que tenta ser Hollywood e se esquece de qualquer traço de Bollywood. Ainda assim, as viradas e a sensação de recompensa do terceiro ato deixam a sensação de um filme melhor do que ele realmente é.

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