É curioso parar para analisar o “experimento” “Rua do Medo”, na Netflix. Quando uma trilogia teve seus filmes lançados no intervalo de 14 dias? Provavelmente nunca, ao menos não se considerarmos apenas grandes produções. Os três filmes de terror baseados nos livros de R. L. Stine foram lançados como uma grande minissérie, cada um com sua particularidade, mas todos dentro de um mesmo universo e seguindo uma lógica dentro das histórias de Shadyside, Sunnyvale e Sarah Fier.
Enquanto “1994” homenageia o terror noventista de “Pânico” (1996) e afins, “1978” é um mergulho na Era de Ouro do terror “slasher” de “Halloween” (1978) e “Sexta-feira 13” (1980). A conclusão da trilogia, “A Rua do Medo: 1666 - Parte 3”, estreia nesta sexta (16) na Netflix com ambientação de terror folclórico europeu, mas sem se aprofundar no estilo da mesma maneira que fez com os outros. Como vimos no final do segundo filme, Deena (Kiana Madeira) se vê na pele de Sarah Fier (Elizabeth Scopel) antes de toda a maldição da bruxa começar a atormentar a cidade.
Passamos então a acompanhar Sarah (com o rosto de Deena) nos primórdios de Shadyside. Há algo “diferente” entre ela e Hannah (Olivia Scott Welch), que conhecemos com o rosto de Sam, namorada de Deena no primeiro filme. Vemos também vários rostos anteriormente conhecidos, mas obviamente vivendo outras pessoas - parece confuso, mas serve para facilitar a dinâmica da narrativa e funciona também para já despertar a simpatia do público.
Quando as jovens cedem ao desejo, são vistas e a notícia logo corre o assentamento. São bruxas, pecadoras, e a luxúria cobra seu preço. Coisas estranhas e bem macabras passam a acontecer do dia para a noite e toda a culpa cai sobre os ombros de Sarah e Hannah. As duas passam a ser caçadas pelos moradores que precisam enforcar as bruxas para puni-las e continuar vivendo numa boa após ter assassinado duas meninas, um dia tranquilo em 1666.
É interessante como “A Rua do Medo: 1666” tem os adultos mais presentes, pelo menos na primeira metade do filme. Ao contrário dos dois filmes anteriores, que lidavam com as consequências da maldição e o combate a ela, o terceiro conta a origem. É da intolerância e do ódio dos adultos que nasce o mal que atormenta Shadyside há mais de três séculos.
“Eu não temo o diabo, eu temo o vizinho que me acusa, eu temo a mãe que deixa a filha ser enforcada”, diz Sarah em determinado momento; o texto deixa claro não se tratar apenas da maldade de quem condena e enforca, mas também o silêncio e a omissão de quem até demonstra repúdio, mas tem medo de se manifestar.
“Rua do Medo: 1666” vai ao século XVII para contar a origem da maldição, mas retorna a 1994 para concluir toda a história sem deixar pontas soltas. O roteiro é enxuto e conciso ao retratar os acontecimentos de 1666 sem excessos e de forma que permita esse retorno à ambientação do primeiro filme. É quase como se a parte final da trilogia de Leigh Janiak fosse “dois em um”, e isso faz todo sentido quando pensamos o produto como um todo. Após assistir ao terceiro filme, é impossível dissociá-lo de seus antecessores; não há o que se falar de furos nas duas primeiras partes quando eles são preenchidos pela história da terceira.
Tal qual os dois primeiros “Rua do Medo”, “1666” tem problemas com o didatismo para explicar situações que acabamos de ver em tela e viradas do roteiro, principalmente na hora de deixar claro quem é quem após as idas e vindas no tempo - é bom dizer que o último grande plano guarda algumas boas surpresas além das corriqueiras explicações.
Em seu terceiro ato, “1666” abandona um pouco as homenagens ao terror e se transforma em uma grande aventura - ainda estão lá os assassinos e a maldição, mas a pegada é diferente, se assemelhando mais a uma versão adulta e gore de “Scooby-Doo”, e isso não é um demérito, apenas uma constatação da mudança de estilo no filme.
“Rua do Medo: 1666 - Parte 3” encerra a trilogia e a história de Sarah Fier de maneira bem satisfatória, sanando as dúvidas criadas pelos outros filmes e explicando todo o ambiente que nos foi gradualmente introduzido, da rivalidade entre as duas cidades e seus habitantes. Claro, há algumas forçadas de barra, como visões do passado que magicamente ajudam a entender o futuro e descoberta de soluções e saídas repentinas, mas a trilogia de Leigh Janiak funciona distante da lógica, é fantasia, é terror, é um mundo quase mágico.
Como um todo, a trilogia é um produto pop divertido, um trabalho bem feito, que entende e reverencia o que veio antes, seus pilares de sustentação, mas que tem uma assinatura própria, oferecendo novidades a um gênero e uma história bem amarrada que passeia por três filmes distintos sem perder seu fio condutor.
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