Será praticamente impossível encontrar algum texto sobre “Rye Lane: Um Amor Inesperado” sem citação à trilogia iniciada com “Antes do Amanhecer”, por Richard Linklater, em 1995. Em outros dois filmes lançados em intervalos de nove anos, acompanhamos os personagens de Julie Delpy e Ethan Hawke ao longo de momentos distintos, preenchendo lacunas dos períodos em que ficamos distantes deles. Linklater construiu uma relação complexa, real, cheia de alegria e tristeza, altos e baixos, podendo tanto ser encantadora quanto emocionalmente devastadora justamente pela naturalidade de sua premissa.
Lançado no Brasil pelo Star+, o filme da estreante Raine Allen-Miller tem estrutura parecida com a dos filmes de Linklater, com dois jovens andando pelas ruas de Londres momentos após se encontrarem pela primeira vez. Conhecemos Dom (David Jonsson) quando ele vai ao banheiro de uma exposição em busca de privacidade - ele ainda sofre com um término recente e acabou de ver nas redes sociais algumas fotos da ex. Enquanto ele choraminga, Yas (Vivian Oparah) está na cabine ao lado e troca algumas palavras com ele. Do lado de fora do banheiro, são devidamente apresentados e começam a trocar algumas ideias.
“Rye Lane” acompanha Dom e Yas caminhando pelas ruas de Londres e se conhecendo pelo caminho. Além do cenário e das épocas, o que diferencia o filme de Allen-Miller dos de Linklater é a linguagem. “Rye Lane” é moderno, colorido, e dialoga bem com novas tendências. Enquanto os personagens contam suas histórias, a diretora se aproveita desse aspecto para dar a seu filme um ar exagerado, quase fantástico, pois cada um conta a história como bem entende. Essa característica fica clara quando ambos contam a mesma história para outros personagens, inventando, aumentando e improvisando juntos enquanto toda a narrativa, com tons bem absurdos, ganha vida em tela; a cena serve também como momento central da construção da cumplicidade entre os protagonistas, algo essencial em um filme do gênero.
O roteiro de Nathan Bryon e Tom Melia segue o tom das comédias britânicas, equilibrando situações absurdas e momentos de mais delicadeza; há uma ótima e divertida “homenagem” a “Simplesmente Amor” que consegue ser sutil e escrachada ao mesmo tempo. É muito interessante como, aos poucos, o tom de exagero das histórias se mistura à narrativa principal, dando a ela uma pegada mais encantadora e fantasiosa no decorrer do filme.
“Rye Lane” também merece destaque em toda a construção de mundo. O filme traz cores fortes nos figurinos e em alguns pontos dos cenários, dando aos ambientes um contraste entre o real e o artificial. Sim, é Londres, mas uma Londres de inusitado protagonismo negro (apenas 13,5% da população londrina é negra) com alguns toques de surrealismo reforçado pelo jogo de câmeras, com a utilização de lentes grande angular e planos ligeiramente inclinados, principalmente no início da caminhada.
O trabalho do diretor de fotografia Olan Collardy dá ao filme um ar etéreo, como se acompanhássemos um sonho pulando entre pontos, sempre em cenários escolhidos a dedo, com importância para a trama, mas nos quais o entorno pouco importa. O mundo visualmente distorcido criado por Collardy durante a maior parte do filme contrasta com sua conclusão, filmada de maneira mais sóbria, como se a distorção da paixão cedesse espaço à lógica, à realidade, à construção real que se dá a partir dali.
Mesmo que este texto gaste tempo falando da construção e dos detalhes de “Rye Lane: Um Amor Inesperado”, o filme é simples, uma comédia romântica desenvolvida a partir de uma premissa básica e com forte pegada pop. Dom é adorável desde o início do filme, enquanto Yas conquista o espectador com o tempo - as atuações de David Jonsson e Vivian Oparah se completam e tornam muito rica a experiência de ver seus personagens sendo transformados ao longo do filme.
“Rye Lane: Um Amor Inesperado” é adorável e interessante do início ao fim, um filme que faz parecer fácil fazer uma comédia romântica de qualidade. Nunca é chato acompanhar Dom e Yas se conhecendo pelas ruas de Londres e contando suas histórias de modo que facilite o espectador conhecê-los nos detalhes. Os personagens que os cercam, mesmo os que têm pouco tempo de tela, acrescentam ao filme - o melhor amigo de Dom é ótimo, assim como todos personagens do churrasco no quintal. O resultado é uma experiência divertida e acolhedora, um daqueles filmes que coloca um sorriso no rosto do espectador.
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