Lançado em 1993, o livro “Sem Remorso”, de Tom Clancy, conta a história de origem John Clark, o segundo personagem mais famoso criado pelo autor conhecido por seus livros de espionagem e pelos jogos que levam sua assinatura. O poder de Clancy chegou ao ponto de que seu nome se tornou mais importante do que o de seus personagens - não é coincidência que sua criação mais famosa, Jack Ryan, já tenha sido vivido em tela por cinco atores diferentes.
Desde sua primeira aparição nas páginas de Clancy, John Clark sempre atuou como braço direito de Ryan, o sujeito mais pronto para partir para a ação, o cara que atira primeiro e pergunta depois, em contrapartida, ao protagonista, mas agora o personagem ganha não apenas o protagonismo, mas provavelmente uma franquia para chamar de sua.
Dirigido pelo italiano Stefano Sollima (“Sicário: Dia do Soldado”) a partir do roteiro assinado por Taylor Sheridan (indicado ao Oscar por “A Qualquer Custo”) e Will Staples (do jogo “Call of Duty: Modern Warfare 3”), “Sem Remoso” chegou nesta sexta (30) à Amazon Prime Video se afastando da história original de Clark, mas oferecendo a ele, e ao público, uma origem que parece saída dos anos 1990, o que não é necessariamente ruim.
“Sem Remorso” é formulaico. Sua estrutura oferece poucas surpresas e, por isso, conforto à audiência já acostumada com esse modelo de filme - ação, reação, vingança, reviravolta, conclusão. O roteiro resgata a nostalgia da Guerra Fria, colocando os EUA em oposição aos russos em uma trama que pode ocasionar a Terceira Guerra Mundial.
O filme tem início com acontecimentos em Aleppo, na Síria (a ação), mas logo é transportado para os EUA, quando os envolvidos naquela operação começam a ser assassinados (a reação). Culpado por algo que não fez, Clark (Michael B. Jordan) planeja encontrar os responsáveis (a vingança) e está disposto a se sacrificar por isso.
“Sem Remorso” mistura as conspirações internacionais com muita ação de poucos floreios. Sollima entende ter em mãos uma estrela capaz de salvar o filme do meio termo e se aproveita disso. Michael B. Jordan, com a entrega habitual e a ciência de que essa pode finalmente se tornar sua franquia.
A ação de “Sem Remorso” é crua e dura, sem grandes coreografias ou um senso de espetáculo, uma violência bem próxima da realidade. Na primeira sequência, na Síria, já entendemos a estética da violência utilizada pelo filme e as habilidades do protagonista. Por isso, quando o vemos em ação por mais tempo, entendemos que ele é realmente capaz daquilo, o que na grande parte da projeção não é exagerado. É interessante como Sollima oferece uma quebra momentânea no estilo de ação do filme com a tão alardeada cena de luta na prisão, com apego aos detalhes e com uma folga nas balas voando. É breve, mas funciona.
Breves também são alguns comentários do texto sobre questões políticas não-genéricas. Por mais que o filme coloque Clark, pela habilidade, e Karen (Jodie Turner-Smith), pelo cargo, em posições de poder, há acima deles poderosos homens brancos mexendo as peças - é sutil, não panfletário, mas exposto na postura do personagem de Michael B. Jordan diante desses homens. É neste ponto que o filme também constrói suas reviravoltas, com o claro antagonismo do agente Robert Ritter (Jamie Bell), da CIA, e a presença pacificadora do secretário Clay (Guy Pearce).
“Sem Remorso”, como dito anteriormente, é formulaico, seguindo estrutura já conhecida por outros tantos filmes do gênero. Bem mais muscular do que cerebral, ao contrário de alguns outros textos de Tom Clancy, o filme até guarda uma boa virada do meio para o fim do segundo ato, mas sua reviravolta final é pobre. Mesmo que já esperada, por todas as dicas dadas pelo texto até ali, a virada usa um recurso batido e pouco criativo para dar início ao fim - a resolução, em si, é boa, mas a maneira como o filme chega a ela, não.
O filme de Stefano Sollima, mesmo brincando um pouco de thriller político, provavelmente não vai ultrapassar gêneros, ou seja, dificilmente será popular entre os não apreciadores do cinema de ação, mas ainda assim se destaca entre seus pares. A intensidade e a fisicalidade de Michael B. Jordan, além das competentes sequências de ação, garantem ao filme um protagonista carismático capaz de segurar o espectador na frente da TV.
Ironicamente, “Sem Remorso” era uma aposta da Paramount para os cinemas, mas a pandemia fez com que a Amazon se apressasse para adquirir seus direitos e aproximar seu protagonista de “Jack Ryan”, série original do serviço estrelada por John Krasinski e protagonizada pelo personagem mais famoso de Clancy - por linhas tortas, a Amazon pode ter em mãos seu universo compartilhado de Tom Clancy, pois parece questão de tempo para que os caminhos de Ryan e Clark se cruzem em uma série ou em filmes.
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