Lançado em 1997, “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” trazia em destaque no seu pôster o aviso “dos produtores de ‘Pânico’”. No sucesso do slasher dos anos 1990, o filme dirigido por Jim Gillespie era o epítome do terror adolescente da época, com rostos esteticamente “impecáveis” (Sarah Michelle Gellar, Jennifer Love Hewitt, Freddie Prinze Jr. e Ryan Phillippe) às voltas com um assassino que, como diz o título, sabia um segredo guardado pelo quarteto e buscava vingança.
Baseado no livro de Louis Duncan (que nunca quis ver seu trabalho adaptado como um terror slasher pelo fato de sua filha ter sido assassinada por um desconhecido), o filme diferia de seus pares justamente por trazer um motivo moral que “justificasse” a vingança do assassino. O grande vilão das histórias, assim, nunca foi o misterioso assassino, mas a inconsequência juvenil de seus protagonistas que acreditavam poder se safar de um assassinato.
O filme de Gillespie e suas duas péssimas continuações nunca se importaram em desenvolver personagens e fazer com que nos importássemos com eles. Desde o início, afinal, sabíamos que eles seriam apenas possíveis vítimas de um assassino misterioso. Talvez seja por isso que uma série de “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” pareça uma boa ideia. Com a narrativa seriada e bastante tempo de tela, personagens com profundidade seriam mais do que uma opção, seriam necessidade.
“Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado”, a série, chegou nesta sexta (15) à Amazon Prime Video com os quatro primeiros episódios da temporada de estreia. A série tem início com Lennon (Madison Iseman) retornando à casa de seu pai, no Havaí, após o primeiro ano na universidade. Olhando o belo litoral havaiano, Lennon se questiona sobre a sua superficialidade e a de seus amigos. Quem, na verdade, são aquelas pessoas e o quanto delas elas permitem que conheçam? Ao chegar a seu antigo quarto, encontra um aviso no espelho de seu quarto com os dizeres que dão título à série.
Somos então levados ao tal verão passado, quando um acidente de carro após a festa de formatura faz uma vítima fatal. Conhecemos Margot (Brianne Tju), Riley (Ashley Moore), Dylan (Ezekiel Goodman) e Johnny (Sebastian Amoruso), o grupo que toma a decisão de esconder o corpo da vítima e fingir que nada aconteceu. Não vale a pena se aprofundar nos detalhes da série para não revelar qualquer surpresa, mas, como é de se esperar, um assassino começa a perseguir o grupo de jovens, cada um lidando com seus próprios traumas do verão passado.
Em um primeiro momento, surpreende “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” não ser propriamente um slasher, mas tentar se vender como um texto mais sério, criando um ar de tensão constante e com uma ameaça praticamente invisível. A intenção de emular a ótima “Euphoria” (disponível na HBO Max) é visível, mas o problema é que o roteiro nunca alcança tamanha excelência; não bastam luzes coloridas, jovens, drogas e sexo para criar algo que se aproxime da série estrelada por Zendaya.
O texto tenta recriar o clima do filme original, com a possibilidade de qualquer um ser morto, mas o faz com uma pegada diferente, mais próxima de a ameaça um perigoso stalker do que de um assassino com um gancho na mão - é a atualização dos medos.
É interessante que a série seja muito mais explícita ao retratar sequências de sexo, com corpos variados, do que a violência do assassino. Não me entenda errado, as mortes estão lá e algumas são bem interessantes, mas elas quase sempre ocorrem longe do olhar do público e até mesmo dos protagonistas.
O roteiro é inconstante, com personagens se comportando de maneira errática, ou talvez sejam apenas adolescentes colocados sob um olhar mais apurado. De qualquer forma, falta cuidado aos detalhes (a mala visivelmente vazia quando Lennon chega) e exige um alto nível de suspensão de descrença, ou seja, exige que o espectador tome o que vê em tela como verdade e não questione a lógica de nada daquilo.
“Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” também poderia ser mais sutil. As viradas apresentadas nos quatro primeiros episódios são previsíveis e o roteiro não faz questão de disfarçá-las, pelo contrário, sempre que o texto levanta alguma possibilidade, a narrativa traz algum flashback para explicar o que está acontecendo, na maior parte do tempo com cenas já exibidas. Há um erro também na condução, pois a única surpresa interessante da primeira metade da temporada é revelada logo no primeiro episódio.
Há ainda o incômodo causado pelo roteiro, que não vê problema algum em ter um assassino serial solto na comunidade. Em determinado momento após vários assassinatos brutais, uma policial afirma “não haver problema de segurança”. Ainda, os próprios protagonistas parecem não se incomodar o suficiente com um serial killer em busca deles, se preocupando muito mais com suas imagens e seus segredos. Não há urgência, não há um risco iminente.
A grande questão acerca da nova série original da Amazon é que falta a ela uma identidade. “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” não se assume como um terror slasher, mas tampouco se mostra interessada em apresentar algo novo. A estrutura é de fácil compreensão: Lennon recebe uma mensagem misteriosa, grupo se reúne, alguém morre, surge um suspeito, o texto conduz o espectador a achar que aquele suspeito é o culpado. Há, vale ressaltar, boas possibilidades a serem exploradas no arco de Lennon, mas a série só as levanta quando convém e logo as deixa de lado.
Ao final, “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” é uma série que ensaia uma discussão entre paradoxo de vida real e vida virtual, mas se torna uma oportunidade desperdiçada com uma grande bobagem que caminha em ciclos. A aposta da Amazon em episódios semanais após a primeira leva é arriscada - a série ofereceria uma maratona razoável para um fim de semana, mas é pouco provável que tenha um público cativo e fiel esperando que novos episódios cheguem à plataforma semanalmente.
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