Quando surgiu, M. Night Shyamalan foi considerado um mestre do suspense nos moldes de Alfred Hitchcock. “Sexto Sentido” (1999), seu primeiro filme, foi um sucesso absoluto e o alçou a um patamar de um dos maiores cineastas autorais de Hollywood. Passeando por outros gêneros, o diretor teve uma carreira de alguns altos (“Corpo Fechado”, “Sinais”) e muitos baixos (“O Último Mestre do Ar”, “O Fim dos Tempos”) antes de retornar ao que sabia fazer em “A Visita” (2015), um suspense simples, quase todo situado em um apartamento. Foi a primeira parceria do cineasta com a produtora Blumhouse, que também lançou “Fragmentado” (2016) e “Vidro” (2019), filmes que devolveram Shyamalan ao grande público. Também em parceria com a Blumhouse, o cineasta lança agora a série “Servant” no AppleTV+, o serviço de streaming da Apple, novamente com foco na simplicidade e no suspense.
Com os três primeiros episódios disponibilizados na última quinta (28), “Servant” acompanha o casal Dorothy (Lauren Ambrose) e Sean (Toby Kebbell) no processo de superar o trauma da perda do bebê Jericho com apenas 13 semanas de vida. Por recomendação de uma terapeuta de qualificação bem duvidosa, o casal passa a cuidar de um boneco, um “bebê de transição”, até que Dorothy entenda a ausência do filho.
O bebê de transição é levado tão a sério por Dorothy que, quando ela precisa retornar ao trabalho, o casal contrata Leanne Grayson (Nell Tiger Free) para cuidar da "criança" - a jovem vinda do interior curiosamente parece não se importar com o boneco, e é aí que tudo começa a ficar estranho. Tudo isso, vale ressaltar, é entregue logo no primeiro episódio. As grandes viradas da série não serão tratadas neste texto, que seguirá sem spoilers. Além do trio de protagonistas, há também Julian (Rupert Grint), o irmão de Dorothy e o responsável por nunca normalizar as situações bizarras que acontecem na casa da família.
Shyamalan dirige o primeiro episódio com maestria e dá o tom do que vem a seguir. O diretor alterna planos abertos com closes parciais, sempre em takes longos, além de usar enquadramentos que cortam pedaços de seus personagens. As escolhas causam desconforto, sensação de que algo está fora do lugar na casa, e essa impressão é reforçada pela aparente timidez de Leanne e a maneira como ela lida com a situação.
É curioso perceber que quando a estranheza sai do campo da sensação e entra de vez em cena, esses recursos dão espaço a enquadramentos elegantes, com muito travelling, mas dentro dos padrões estéticos. Mesmo se tratando de uma série que se passa praticamente em um ambiente fechado, a casa, “Servant” parece maior - a ação vai dos quartos no andar de cima à adega, no porão, dando a impressão de que temos uma ambientação mais diversa.
Shyalaman, com a série já renovada para a segunda temporada, recentemente afirmou em entrevistas que o plano é de que a história se resolva em 60 episódios, ou seja, seis temporadas. A afirmação surpreende, pois, a trama, a julgar por seus primeiros capítulos, parece não ter fôlego para se sustentar interessante por tanto tempo - a não ser que a história saia do núcleo pré-estabelecido e ganhe novos e mais grandiosos contornos, um risco que deve ser analisado com cuidado.
Por enquanto, “Servant” é interessantíssima, sem nunca entregar mais do que deve, colocando vários questionamentos na cabeça do espectador e fazendo com que ele queira voltar ao próximo episódio. A série bebe diretamente na fonte de mestres como Alfred Hitchcock e Roman Polanski, mas tem a assinatura de Shyalaman. O início é promissor, resta ver quais as próximas camadas que serão adicionadas à trama.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.