A literatura erótica voltada para mulheres e produzida por elas foi durante muito tempo proibida (literalmente) e se consolidou apenas nos últimos 20 anos do século passado, com livretos de qualidade duvidosa, impressos em material barato e vendidos em bancas de revista. Esse prazer secreto, motivo de uma quase injustificada vergonha, só foi deixando de ser um tabu na última década, com o estrondoso sucesso dos livros “Cinquenta Tons de Cinza”, de E. L. James, que essa literatura saiu do armário. O sucesso de James abriu portas para Sylvia Day, Jill Shavis, Christina Lauren e diversas outras autoras do gênero "mommy porn", ou "pornô para mamães", que disponibilizam seus livros gratuitamente em plataformas como o Kindle Unlimited e sempre elencam entre as mais lidas do serviço.
É óbvio que esse sucesso não demorou para chegar às telas não apenas nas adaptações literárias, mas em filmes/séries que se aproveitam da estética narrativa para criar um clima sexy, às vezes até meio proibido, e quase sempre protagonizados por mulheres comuns, com filhos, famílias e empregos, quase sempre conciliando tudo isso, uma rotina bem similar à das mulheres do outro lado da tela. “Sex/Life”, série lançada pela Netflix na última sexta (25), é o mais novo exemplar dessa tendência.
Produzida, escrita e dirigida por Stacy Rukeyser (“UnREAL”), “Sex/Life” é centrada em Billie (Sarah Shahi), uma mulher na casa dos 30 anos, com um filho pequeno e uma bebê recém-nascida. Casada com o bonitão Cooper (Mike Vogel), Billie vive nos famosos subúrbios nova-iorquinos, um cenário tranquilo, com grandes casas, boas escolas e uma vida pacata. Uma escolha de vida, mas uma vida dos sonhos para muitos.
Com o nascimento da filha caçula, Billie passou a registrar tudo em um diário. As noites mal dormidas e as questões sobre a maternidade começaram a dar espaço a relatos sobre a fraca vida sexual recente do casal - às voltas com mudanças no trabalho e com um respeito excessivo pela “mãe de seus filhos”, Cooper não tem sido um marido sexualmente presente.
Billie então passa a ter lembranças de seus dias antes de conhecer o marido, quando curtia bastante a noite nova-iorquina ao lado da amiga Sasha (Margaret Odette). Foi nessa época que ela teve um relacionamento com o galã Brad (Adam Demos), um empresário dono de uma gravadora com quem tinha uma tórrida relação antes de conhecer o atual marido.
Insatisfeita sexualmente com Cooper, Billie passa a relatar, aparentemente de forma muito detalhada, sua relação com Brad. Ao mesmo tempo, ele retorna para sua vida por caminhos um pouco tortos. A protagonista então se vê no dilema que dá título à série: o sexo, lembrança principal com Brad, ou a vida construída ao lado do marido?
“Sex/Life” é narrada como um romance barato (sem intenção de soar pejorativo), quase sempre com a voz sussurrada de Billie dizendo o que se vê em tela ou explicitando os sentimentos já bem explícitos da personagem. Esse estilo narrativo aproxima a série do formato consagrado por “Sex and the City”, mas o lançamento da Netflix é bem mais picante do que as desventuras amorosas de Carrie Bradshaw e cia.
Sarah Shahi se entrega ao papel e faz a série valer a pena. A atriz dá intensidade às cenas de sexo e brilha muito mais que seus pares do sexo masculino. “Sex/Life” funciona como um livro erótico, com uma mulher comum tendo que decidir entre dois bonitões milionários, um que é sinônimo de estabilidade e segurança e outro que representa a aventura, a ousadia e o sexo sem limites. O fato de Billie ainda ter que se preocupar com lactação ou problemas do filho na escola apenas aproximam a protagonista de seu público.
Apesar das frequentes cenas de sexo, a série toma todo o cuidado do mundo para não mostrar demais, se permitindo exceder apenas em um ou outro momento e com cenas que até funcionam como recurso narrativo. Essa característica, aliada aos diálogos expositivos e nem sempre muito bem encenados, deixa “Sex/Life” com clima de um “soft porn” bem picante, mas uma narrativa de segunda categoria.
“Sex/Life” é eficaz no que se propõe a fazer, mas é bom ressaltar que o estilo vem cheio de vícios do gênero. Os dilemas de Billie parecem artificiais, assim como a reação dos envolvidos. O roteiro lida com os conflitos de maneira interessante, potencializando-os em suas origens, mas minimizando-os em suas resoluções quase sempre para funções cômicas. O resultado é que tudo sempre parece supervalorizado e deixa a impressão de que Billie está exagerando.
Ao invés de antagonizar Billie e Sasha quando a oportunidade surge, a série evita o clichê da rivalidade feminina para reforçar a força de uma amizade. É curioso como o texto tira proveito de referências do gênero e as encaixa na contemporaneidade, com mulheres em posição de poder e sem condenar comportamentos outrora vistos como equivocados.
“Sex/Life” é como um livro erótico escrito por uma mulher para mulheres, colocando em tela dilemas que boa parte delas gostaria de ter. É uma série sobre prazer feminino e que tenta quebrar estereótipos incômodos e colocar o poder de decisão na mão delas. É também uma história que abusa de clichês, comportamentos e situações improváveis, mas que se mostra eficiente no que se propõe ao se afastar da realidade e apostar em uma fantasia na ousadia da ausência de limites e do questionamento da relação monogâmica.
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