O espectador, em geral, adora um plot twist, uma reviravolta, uma surpresa que mude os rumos da história e o faça pensar sobre tudo o que acabou de ver/ler/ouvir. O recurso sempre foi usado para causar impacto em novelas e filmes como “Psicose” (1960), “O Império Contra-ataca” (1980), “Seven” (1995), “Os Suspeitos” (1995) e “O Sexto Sentido” (1999), apenas para ficarmos em exemplos clássicos e populares. Podendo ser utilizado para potencializar a história contada, acrescentar camadas e levar a trama em outra direção, a virada também se tornou muleta para textos ruins, mas que acabam salvas pelo plot twist. Nesta categoria, elenco filmes como “Efeito Borboleta” (2004), “Contra o Tempo” (2011), “Predestinado” (2014). Há ainda uma terceira categoria, aquela em que as viradas acabam atrapalhando um bom texto, e é nessa estante que “Silêncio”, minissérie espanhola da Netflix, se encaixa.
Criada pelo roteirista Aitor Gabilondo, da ótima “Pátria” (série sobre conflitos no País Basco, disponível na HBO Max), “O Silêncio” é um thriller policial intimista, com ótimos momentos e boa construção de tensão, mas que se perde à medida que se aproxima de sua conclusão.
Em seis episódios de mais ou menos 45 minutos cada, a série acompanha Sergio a partir do dia em que ele é liberado da instituição de saúde mental. Pouco antes de nos apresentar o protagonista e o arco principal, a série busca o choque. O início tem uma jovem andando de bicicleta pelas ruas quando, de repente, um corpo cai de um prédio; não demora a outro ter o mesmo destino. Dentro de um apartamento, vemos Sergio pela primeira vez em um lugar cheio de sangue a cacos de vidro. Ele, então, é preso por ter empurrado os pais, garantindo o apelido de “o assassino da varanda”.
A série dá um salto temporal para o momento da soltura de Sergio, seis anos depois, o que descobrimos ser parte de um experimento de investigação comandado por Ana (Almudena Amor). Sem saber, ele será acompanhado 24 horas por dia para que especialistas tentem entender o que motivou os crimes – desde que foi preso, Sergio não falou sobre o assunto com ninguém.
“Silêncio” tem ótimo início, até influenciada pelo “silêncio” de Sergio (que não dura muito), com boa construção de clima e pouca exposição além do necessário. Junto de Ana, acompanhamos a rotina de Sergio e encontramos um jovem atormentado, que busca se reconectar com a irmã e tem a ajuda de Marta (Cristina Kovani), uma jovem com quem trocava cartas amorosas enquanto estava em cárcere.
Aos poucos, vamos descobrindo o que de fato aconteceu com Sergio, mas o texto apresenta alguns outros conflitos que nem sempre funcionam bem, como o do pastor Natanael (Ramiro Blas), personagem que teria mais histórias para contar, mas que acaba subaproveitado pelo roteiro. Da mesma forma, todo o experimento e a obsessão de Ana com o caso parecem artificiais, o que, afinal, poderia ser provado a partir daquele estudo absolutamente arriscado?
À medida que as histórias vão se entrelaçando, “Silêncio” perde força narrativa, pois percebemos que pouco importa qual o destino daquelas pessoas. Após um início interessante (a cena da estufa é ótima), o roteiro busca a tensão em ideias nem sempre muito boas, quase todas sustentadas pela possibilidade de Sergio “surtar”, machucar alguém e provar que ele não pode viver em liberdade.
O texto se contradiz com frequência e poucas vezes vai a fundo nos conflitos que cria, resolvendo-os quase de imediato. Mesmo quando tenta algo mais desenvolvido, faz pouco sentido, como todo o arco do “tratamento” ou o vídeo de sexo vazado. Há ainda uma câmera que surge de repente em um quarto descoberto após a instalação das câmeras e toda a explicação do experimento em si, que não faz sentido algum.
Voltando ao início do texto, o roteiro ainda se atropela em viradas para chegar a uma espécie de anti-virada. Ao fim, mesmo em um oceano de argumentos ruins em uma trama que nunca chega a fazer sentido, “Silêncio” é uma série bem construída, que prende a atenção do espectador, mas que seria bem melhor se não o fizesse questionar suas escolhas e suas muitas incongruências.
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