A primeira temporada de “Sintonia” foi lançada há quase quatro anos, em agosto de 2019, e muita coisa mudou na vida de Nando (Christian Malheiros), Rita (Bruna Mascarenhas) e Doni (Jottapê). A quarta temporada, lançada nesta terça (25) pela Netflix, leva o trio de protagonistas para outro lugar, mas, ao mesmo tempo, fecha o círculo dos três amigos de infância da Vila Áurea, pessoas que seguiram caminhos tão distintos, mas sempre conectados.
Mais longa, com oito episódios ao invés dos seis de cada temporada anterior, “Sintonia” não se apressa em chegar ao fim. A nova temporada tem início após os acontecimentos que encerram a leva anterior, com o violento conflito no dia da abertura do café de Nando. Os novos episódios trazem as consequências do ocorrido, com Nando em fuga, Doni se recuperando e Rita ampliando seus horizontes e se afastando da vida na igreja.
A série mantém a familiaridade, mas também permite novas histórias, o que nem sempre funciona. É inevitável que o grande arco da temporada final – e talvez de toda a série – seja o de Nando. A ascensão do jovem no mundo do crime foi gradual e a acompanhamos desde o início; neste ponto, é ele quem tem seu futuro em risco e “Sintonia” se torna até mais a sua história do que a da amizade dos três.
Os novos episódios funcionam também como uma volta à realidade para o trio após o deslumbramento. Milionário e disposto a deixar o crime, Nando tem um reencontro inevitável com a crueldade do movimento. Da mesma forma, Doni vê que nem tudo são flores na carreira musical e finalmente percebe haver vida artística além de ser contratado por uma grande produtora. Ele se volta à Vila Áurea e aos talentos locais quando percebe que é ali que está a essência de sua arte.
É curioso como o arco do funkeiro é mal-explorado pelo texto, tornando-o quase sempre um alívio musical em meio a tramas mais pesadas e complexas. Nas temporadas anteriores, e até na nova, a série ensaia arcos de abuso de drogas e bebida, mas pouco se aprofunda neles. Essa é uma característica de “Sintonia”, inclusive, de apresentar e encerrar conflitos com muita rapidez – às vezes funciona, às vezes não.
Fugindo do estereótipo de ascensão social cantado pelos Racionais em “Negro Drama” (“crime, futebol e música”), é Rita quem busca a exceção. É quase irônico que o caminho da jovem interpretada por Bruna Mascarenhas ganhe novos rumos após ela se dedicar à igreja nas temporadas anteriores. Rita agora busca a universidade, o sonho de se tornar uma advogada para ajudar as pessoas que, como ela, não tiveram oportunidades e tampouco se veem representadas no sistema jurídico. A jornada da personagem funciona, mesmo que um pouco atropelada e sem explorar devidamente os conflitos encontrados por ela em um ambiente acadêmico e na convivência com colegas ricos. O roteiro usa esse choque social quase como alívio cômico, apresentando jovens deslumbrados depois de tudo o que Rita passou durante a vida.
É interessante ver como a carreira de Christian Malheiros cresceu desde o início da série, dando a impressão de que ele é o único realmente interessado do elenco em ser ator. Malheiros funciona muito bem no drama, como já vimos em “Sócrates” e “Os 7 Prisioneiros”, mas também em tramas mais leves, como “A Última Festa”. Em “Sintonia”, ele se torna o foco da série, pois é Nando quem vive a inevitabilidade do jovem sem nenhuma oportunidade na vida.
A série sempre foi muito boa em não pesar a mão no maniqueísmo e mostrar a pessoa atrás dos estereótipos que estamos acostumados a ver. Nando é um amigo fiel, um sujeito afetuoso que sente o peso de suas escolhas, mas com plena ciência do que faz; o texto não o demoniza, mas tampouco o torna um santo. A conexão entre os três protagonistas é tão forte, o fio condutor da série, que é quase cruel quando Doni, em risco, diz não ter um “fechamento”, é o momento em que ele se desliga não do amigo, mas das escolhas dele. Rita tem arco parecido, com uma carga emocional mais forte, e funciona.
É um pouco frustrante como a série, um retrato da periferia brasileira, importa narrativas, como as contas hospitalares de Doni, que servem de muleta para o roteiro introduzir conflitos que poderiam perfeitamente ser trabalhados de outra forma, mas nada comprometa.
Ao final, “Sintonia” é agridoce. Cada um dos três tem um fechamento satisfatório daqueles arco iniciados há quatro anos, histórias construídas e desenvolvidas com maestria, sempre entendendo as diferenças entre os personagens e dando jornadas individuais a eles – há violência, mas também há arte, música, cultura e vontade de transformar. A série reforça sua conexão com a realidade ao introduzir personagens reais em suas devidas funções; assim, o Datena anuncia a perseguição a Nando e Doni aparece em um podcast de sucesso.
Se for o fim, e tudo indica realmente que seja (o gancho é apenas uma mensagem da tal inevitabilidade), a série sempre foi ótima ao narrar o cotidiano da “quebrada” fugindo de conceitos e personagens pré-estabelecidos.
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