Lançado em 2012, o livro “Sombra e Ossos”, de Leigh Bardugo, fez sucesso principalmente por dois motivos: a qualidade da narrativa e da criação de universo inspirado na Europa do final do século 19. As qualidades da escrita de Bardugo superaram até o fato de a protagonista, Alina, não ser lá uma personagem muito carismática.
O primeiro livro foi continuado com “Sol e Tormenta” e “Ruína e Ascensão”, que formam a “Trilogia Grisha”, e por duas duologias que se passam no mesmo mundo, “Six of Crows” e “Crooked Kingdom”, e “King of Scars” e “Rule of Wolves”. O universo estava pronto e as histórias, contadas em detalhes e com narrativas bem estruturadas, então era questão de tempo até que “Sombra e Ossos” fosse transformada na mais nova aposta no mundo de séries de fantasia.
“Sombra e Ossos” chega nesta sexta (23) à Netflix para uma temporada inicial de oito episódios que se misturam entre o primeiro livro da saga e o já citado “Six of Crows”. Essa abordagem possibilita que a série comandada por Eric Heisserer, indicado ao Oscar pelo roteiro do ótimo “A Chegada” (2016), tenha uma narrativa que se aproxima da de “Game of Thrones”, com vários núcleos vivenciando tramas paralelas no mesmo universo.
A história central, é claro, continua sendo a de Alina (Jessie Mei Li), uma jovem órfã recrutada para ser cartógrafa no exército. Em sua primeira verdadeira missão, para ficar perto de Mal (Archie Renaux), amigo com quem cresceu no orfanato, ela embarca em uma viagem na qual é necessária atravessar a Dobra, uma “cicatriz no mapa”, um local habitado por criaturas monstruosas que tornam sua travessia uma perigosa jornada. Durante a viagem, porém, Alina se descobre uma poderosa grisha (pessoas que manipulam os elementos) cujo poder é capaz de extinguir a Dobra e devolver a normalidade à Ravka.. Logo o líder do exército grisha, o general Kirigan (Ben Barnes), a leva para um castelo onde será devidamente treinada e estará protegida.
Ao mesmo tempo, acompanhamos também a viagem dos Corvos liderados por Kaz Brekker (Freddy Carter) e da grisha Nina Zenik (Danielle Calligan). Essas tramas oferecem uma dinâmica diferente à série e a tornam mais ampla. Há a clássica jornada do herói de Alina, que possui elementos fantásticos e até românticos, mas a narrativa dos outros dois arcos é o que faz de “Sombra e Ossos” uma série tão bacana.
Os Corvos são uma espécie de anti-heróis apresentados inicialmente como vilões, mas o público logo se identifica com Inej (Amita Suman) e Jesper (Kit Young), o personagem mais carismático da série. A jornada de Nina, por sua vez, parece deslocada, mas cumpre um papel importante no roteiro que é explicar um pouco a relação entre as nações no universo criado por Bardugo.
Sem pressa, “Sombra e Ossos” gasta tempo apresentando seus personagens, mas o texto está sempre em movimento, alternando entre as narrativas e seus protagonistas. Esse passeio de apresentação funciona muito em função do ótimo trabalho de edição e montagem da série, que tem ritmo pop sem nunca ser superficial. Incomoda, a princípio, sermos jogados naquele mundo e termos poucas explicações sobre ele, mas elas surgem de forma orgânica, com pouquíssimos momentos de exposição e didatismo em excesso.
“Sombra e Ossos” faz ótimo proveito do riquíssimo universo que tem em mãos. Aos poucos, vamos entendendo as dinâmicas e as referências, as diferenças entre os exércitos, as castas, a origem da Dobra e por aí vai… É possível também identificar referências de nações europeias, tradições do Império Russo e as especificidades de cada nação.
Mesmo sem grandes novidades, as cenas de luta funcionam muito bem. As coreografias aproveitam os poderes dos grishas para criar combates criativos e quase inovadores, conferindo um certo frescor a cada combate. Vale destacar também a aventura rumo ao desconhecido que é a Dobra; o primeiro mergulho na escuridão gera tensão, pois o público não sabe ao certo o que esperar. O impacto, no entanto, acaba diminuído nas outras vezes que a trama passa por lá.
O roteiro ainda é eficiente ao passar boa parte da temporada sem antagonizar personagens e núcleos, são apenas pessoas com objetivos diferentes - tudo muda, claro, com algumas boas reviravoltas do texto, que faz um bom trabalho brincando com o sentimento e as expectativas do espectador. É interessante perceber como mesmo quando apela para as coincidências, o que ocasionalmente faz, “Sombra e Ossos” o faz com coerência, colocando até seus personagens ridicularizando tal acontecimento.
“Sombra e Ossos” se estabelece, talvez, como a melhor série de aventura fantástica lançada pela Netflix - é muito superior a “The Witcher” e “Cursed”, por exemplo. A série deve agradar aos fãs da obra de Leigh Bardugo, pois é bastante fiel em sua essência, e também conquistar os não iniciados. Ao final do oitavo episódio, a vontade é de continuar assistindo às tramas e se aprofundar mais no universo criado pela série.
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