Joseph Kosinski é um dos nomes do momento na indústria cinematográfica. No momento em que digito esse texto, “Top Gun: Maverick”, dirigido por ele, chega aos US$ 800 milhões de bilheteria, a maior para um filme de Tom Cruise até hoje. Os vários adiamentos do blockbuster de aviação fizeram com que seu novo filme, “Spiderhead”, chegasse à Netflix enquanto a mais recente aventura de Cruise ainda domina as bilheterias. Apesar de carregar as credenciais de “Do diretor de ‘Top Gun: Maverick’ e ‘Tron: Legacy’”, o lançamento do streaming é um filme bem menor em relação aos trabalhos anteriores de Kosinski, também responsável pelo razoável “Oblivion”.
“Spiderhead” é uma ficção científica de tom satírico. O filme adapta o conto de George Saunders publicado na revista “The New Yorker” e se esforça para transformá-lo em uma história maior e mais envolvente. Quando o filme tem início, vemos um homem sentado em uma sala sendo estimulado a reagir a diferentes estímulos - primeiro contam piadas para ele, que dá algumas risadas, depois o contam fatos sobre o genocídio de Ruanda, e ele passa a gargalhar. Em um aquário de observação, encontramos Steve (Chris Hemsworth) e Mark (Mark Paguio) satisfeito com os resultados dos testes de uma droga que causa riso.
A Spiderhead é uma prisão “alternativa”, quase um hostel bem estruturado, na qual os detentos têm um bom tratamento, mas são obrigados a participar de testes químicos de indução de humor. Cada detento tem afixado em suas costas um dispositivo que aplica doses desses medicamentos a partir do telefone de Steve, o carismático e boa praça responsável pela instalação.
É interessante e quase bizarro, a princípio, acompanhar esses testes, o que fazemos pelo olhar de Jeff (Miles Teller, o Rooster de “Top Gun: Maverick”), o detento queridinho de Steve. O roteiro inicialmente faz um bom trabalho ao apresentar aquele ambiente estranho como algo normal para os personagens. Em um momento vemos Jeff flertando com Lizzy (Jurnee Smollett, de "Lovecraft Country") e logo em seguida o vemos tendo relações sexuais induzidas pelas drogas com outra detenta, tudo parte do experimento. O filme não demora também para apresentar seu conflito, pois nem todos os testes ali são leves e, mesmo que tenham que ter o consentimento das “cobaias”, elas não têm outra opção se dar esse consentimento.
Com uma atuação intencionalmente exagerada de Chris Hemsworth, Steve representa toda a classe de milionários sempre dispostos a burlar a ética em nome do capital, uma figura adorável, amigo de todos, educado e atencioso com os moradores de sua instalação, mas é claro que há algo além dessa imagem.
“Spiderhead” tem uma mudança de tom a partir de sua segunda metade, quando tudo parece sair um pouco do controle - a virada que dá início à segunda metade do filme é boa, mas todas as outras são previsíveis e pouco criativas. Há boas ideias e algumas boas possibilidades ensaiadas no primeiro arco, como quando o filme mistura imagens e pinturas para transmitir ao espectador a sensação de Jeff após a indução de uma droga, mas esse recurso é pouco explorado pelo texto, que opta pelo choque visual e pela exposição, principalmente em seu terceiro ato, quando toda questão humana e ética deixa de ser trabalhada.
É curioso como o roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick, dupla responsável por “Deadpool 2” (2018) e “Esquadrão 6” (2019), ameniza o peso e a discussão do conto de Saunders. Os roteiristas de “Spiderhead” deixam de lado questões de comportamento humano - as drogas potencializam comportamentos ou são capazes de nos fazer sentir qualquer coisa? Quais as consequências disso no nosso organismo? O texto também muda todo o terceiro ato, transformando-o em um filme de ação e alterando completamente o fim da jornada de Jeff.
Ao fim, “Spiderhead” não é ruim, mas desperdiça uma boa ideia e boas oportunidades de discussões sobre liberdade, livre arbítrio e limites éticos. Enquanto o senso de espetáculo e tensão de Kosinski brilha em “Top Gun: Maverick”, sua abordagem de questões mais humanas e controversas não funciona tanto no filme da Netflix, que desperdiça atuações interessantes de atores famosos e uma boa premissa em um filme fácil de se esquecer sem a utilização de uma droga desenvolvida para isso.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.