Admito, de cara, uma preguiça inicial com “Succession”. Mesmo vendo a série sempre citada entre as melhores da atualidade e recebendo diversos prêmios, a premissa me parecia desinteressante: uma família bilionária, dona de um grande conglomerado de mídia, às voltas com problemas de sucessão à medida que o patriarca, Logan Roy (Brian Cox), se aproxima da aposentadoria ou da morte, o que chegar primeiro.
A primeira impressão não foi das melhores. Os Roy pareciam todos odiáveis e seus dramas eram completamente distantes da minha realidade. Aos poucos, porém, a série tem uma mudança de tom interessante; Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook), Roman (Kieran Culkin) e Connor (Alan Ruck) continuam odiáveis, mas ganham desenvolvimento e profundidade quando os conhecemos melhor e entendemos que, na verdade, “Succession” é uma história familiar.
O grande mérito da série criada por Jesse Armstrong é colocar o espectador dentro da história como uma espécie de observador. As câmeras na mão, sempre próxima das situações, com zoom para destacar reações em cada cenário até causam estranheza - uma busca no Google aponta para espectadores reclamando de um certo enjoo causado pela técnica. Um óbvio exagero.
A série pega algumas características estéticas emprestadas dos dramalhões novelescos tipo “Dallas”, também sobre milionários. Os closes são utilizados para reforçar o drama, muitas vezes contando ainda com a aproximação do já citado zoom e o reforço da trilha sonora marcante de Nicholas Britell, compositor duas vezes indicado ao Oscar (“Moonlight” e “Se a Rua Beale Falasse”) - é interessante notar as mudanças da trilha de uma temporada para a outra, como se fosse a segunda parte de uma sinfonia.
“Succession” tem qualidade técnica de cinema, algo comum nas produções da HBO, e atuações que acompanham o nível. Brian Cox é impecável como o patriarca da família Roy; distante, frio, calculista e implacável. Entre os filhos, Jeremy Strong é o que tem a atuação de mais profundidade. Seu Kendall, como um típico cocainônamo, vive uma montanha-russa de emoções que vai da mais pura confiança à fragilidade emocional e faz dele talvez o personagem mais complexo da história, mas longe de ser o único interessante.
Rome (Kieran Culkin), o caçula, é mimado, sem o menor jeito para os negócios, mas ambicioso e desesperado pela aprovação de Logan. É um personagem irritante, mas interessante de se acompanhar. O mesmo acontece com Connor (Alan Tuck), motivo de piadas na família, que assumiu a postura de herdeiro milionário e não faz a menor questão de trabalhar ou fazer algo interessante na vida.
Shiv (Sarah Snook), é outra história… Ela é a única entre os quatro filhos de Logan que se distanciou das empresas da família; fazendo carreira como consultora política, ela sonha com voos mais altos e, por isso, se mostra como a única realmente capaz de assumir o posto do pai - mas esbarra no machismo do mundo empresarial. É curioso, assim, seu relacionamento com o frágil e caricato Tom (Matthew Macfadyen), que funciona como alívio cômico saído diretamente de “The Office”.
É também na relação com Tom que nós, espectadores, entramos na história. O personagem cria uma relação com o primo Greg (Nicholaus Braun), o grande novato naquela trama toda e o representante do público na história.
Se você já pensou em assistir a “Succession”, ou até se já começou e desistiu, dê mais uma chance. Após os primeiros episódios, a série acelera e ganha diversas camadas que chegam de forma natural, nunca empurradas goela abaixo do espectador. A série é um espetáculo de edição e montagem - sem grandes pirotecnias, ela funciona a favor da história e frequentemente foca na reação dos receptores ao invés de dar atenção a quem fala.
Ao fim, “Succession” é uma grande trama shakespeariana sobre família, traição e ambição. Saem reis e rainhas e entram seus equivalentes de hoje, os ultramilionários. É uma série séria, mas capaz de divertir e até de emocionar, além de oferecer um interessante mergulho quase documental no mundo de influência, dinheiro e política.
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