Pouco antes do fechamento dos cinemas na Europa, “365 Dias” (ou “365 dni”) fez muito sucesso nas salas da Polônia. O filme dirigido por Barbara Bialowas e Tomasz Mandes adapta o livro homônimo (ainda inédito no Brasil) da escritora Blanka Lipinska e chegou esta semana ao catálogo da Netflix. Ele foi direto para a lista dos mais assistidos e também para os assuntos mais comentados do Twitter. O que justifica o barulho? “365 Dias” é um thriller erótico, um filme que promete “mostrar o que ‘50 Tons de Cinza’ não mostrou”, mas que encontra problemas graves já em sua premissa.
Após uma sequência inicial absurda e mal filmada (de onde vem o tiro?), acompanhamos, em narrativas distintas, Laura (Anna Maria Sieklucka) e Massimo (Michele Morrone) atuando em reuniões de negócios. Eles não se conhecem, mas são igualmente implacáveis e assertivos como manda a cartilha do mundo capitalista. Essa tentativa do roteiro de construí-los como iguais logo será justificada.
O filme parte então para a Sicília, para onde Laura vai com o namorado e um casal de amigos comemorar seu aniversário de 29 anos. Massimo é um dos grandes mafiosos da Itália, um cara bonito, rico e poderoso que fica obcecado por Laura desde que a vê pela primeira vez; o roteiro apresenta uma justificativa para isso, mas não cola. Ele então a sequestra, revela seu amor por ela e promete soltá-la em 365 dias se ela não se apaixonar por ele, que promete não tocá-la enquanto ela não quiser, mas não é bem assim que funciona.
O filme normaliza frases como “Vou te dar a chance de se apaixonar por mim não porque eu a forcei, mas por vontade própria” ou “Não vou amarrar você, mas não me provoque porque eu não tolero desobediência”, sempre pronunciadas na iminência de uma agressão física. Laura reclama, pede para ir para casa, mas nunca é atendida, pelo contrário, chega a ser amarrada para “ficar quieta”. Não demora, claro, para que os dois iniciem uma relação cheia de sexo.
Como dito antes, o roteiro tenta construir Massimo e Laura como similares. O texto se esforça para tornar Laura um “espírito livre”, uma mulher que gosta de sexo, mas é negligenciada pelo namorado, e, portanto, acaba aceitando as normas impostas por seu sequestrador. O texto também tenta conferir a ela um poder no “jogo” de sedução entre os dois, mas não consegue justificar a dinâmica do relacionamento ao colocar na mesma balança um festival de compras e o cárcere privado.
Não bastasse a romantização dos abusos e da relação tóxica que mostra em tela, “365 Dias” ainda é ruim como cinema. Os diretores demonstram um desejo pela grandiosidade de sequências, abusando de tomadas aéreas e de câmeras sempre circulando os protagonistas, em cenas de sexo ou apenas em um café da manhã - é mais ou menos como se o filme fosse um thriller erótico dirigido por alunos de Michael Bay.
O roteiro é raso e funciona apenas como desculpa para Massimo e Laura protagonizarem cenas quentes. Além disso, o sexo “quase explícito” prometido pelo filme é digno dos filmes exibidos na finada “Sexta Sexy”, depois convertida em “Cine Privê”. Para piorar, não há um pingo de química entre o casal de protagonistas, o que torna toda a tensão sexual falsa. As cenas de sexo, que são o real “atrativo” do filme, são artificiais e mais parecem coreografias com peitos de fora e embaladas por música genérica numa edição é sempre cuidadosa para não “mostrar demais”.
“365 Dias” romantiza situações de violência sexual e um comportamento tóxico de seu protagonista, resumindo: ele é um filme ruim em tudo o que se propõe. Tem um discurso perigoso, péssimas atuações, não funciona como thriller, tem roteiro preguiçoso e, por fim, não entrega sequer o erotismo que promete.
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