“Não tente entender”, diz uma cientista ao protagonista de “Tenet” logo nos primeiros minutos de projeção do novo filme de Christopher Nolan. O recado é para o personagem de John David Washington, prestes a embarcar em uma missão para salvar o mundo que mudará sua vida, mas funciona para cada um sentado na sala de cinema.
Christopher Nolan não é unanimidade, e nem deveria ser, mas é inegável que ele talvez seja hoje o grande cineasta autoral de cinema blockbuster, um cara cujo nome por si só já mobiliza as pessoas a irem ao cinema. Desde “Amnésia” (2001), filme que o colocou no mercado, Nolan realiza trabalhos com temas aparentemente complexos, mas que nunca são o centro da trama, apenas um recurso dela.
Uma de suas obsessões é a maneira como lida com o tempo, das camadas de sonhos do ótimo “A Origem” (2010), à Teoria da Relatividade de “Interestelar” (2014) e os recortes temporais do bom “Dunkirk” (2017) - Nolan gosta de manipular o tempo para, assim, mexer com a percepção do espectador. Normalmente funciona.
Em “Tenet”, Nolan novamente brinca com o tempo de maneira interessante e… confusa. Na trama, John David Washington (“Infiltrado na Klan”) vive um agente da CIA cujo nome nunca é revelado. Após uma missão mal-sucedida, ele acorda incumbido de desmembrar uma organização internacional de tráfico de armas e com uma palavra a ser utilizada, “tenet”. À medida que ele mergulha na missão, vai entendendo que ela na verdade é algo muito maior, que pode acabar com o mundo.
Sem entrar em detalhes para não revelar spoiler algum, “Tenet” é um complexo quebra-cabeças que funciona melhor quando seguimos a dica da cientista lá do primeiro parágrafo. Isso não significa, porém, que o espectador deva abrir mão de entender o que vê em tela, só que tudo vai se encaixar - mais ou menos - em algum momento, quando o roteiro julgar que essa informação é necessária. Algumas revelações são previsíveis, mas ainda assim funcionam bem, já outras fazem o espectador sair do cinema pensando sobre o que acabou de ver, e isso é ótimo para a sobrevida do filme, para que ele se torne foco de discussão on-line e que o boca a boca se espalhe.
Nolan claramente se divertiu com as possibilidades criadas por seu roteiro e isso é visível - o diretor parece ter pensado cada detalhe de cada sequência para que a audiência também se divertisse com elas. Apesar disso, fica claro também que a narrativa existe em mais em função do espetáculo visual do que da história em si.
“Tenet” é um espetáculo visual, com sequências de ação incríveis e bem elaboradas perseguições e coreografias. Vale destacar também a trilha sonora de Ludwig Göransson, vencedor do Oscar por “Pantera Negra”, que lembra (até demais) o material criado por Hans Zimmer, parceiro habitual de Nolan, para “A Origem”. Em contrapartida, a mixagem de som é totalmente equivocada, com tudo muito alto dificultando até a compreensão dos diálogos em inglês - como assistimos com legenda, o problema por aqui se torna apenas ao incômodo do volume.
Os personagens também são um problema para “Tenet”, pois o público não tem nada que o faça se importar com o protagonista ou Neil (Robert Pattison), os mocinhos da trama. A única personagem que ganha algum desenvolvimento é Kat (Elizabeth Debicki), que tem a motivação do filho e com quem criamos alguma empatia. O vilão interpretado por Kenneth Brannagh não é ruim, apenas caricato, com forte sotaque russo e tudo mais, mas mesmo assim funciona bem.
“Tenet” é familiar a quem acompanha o trabalho de Nolan, uma familiaridade que funciona tanto para o bem quanto para o mal. A estética e a estrutura narrativa remetem a “A Origem”, mas há também ecos de “Batman: Cavaleiro das Trevas” em algumas situações do primeiro ato. As brincadeiras temporais surpreendentemente também entram nessa familiaridade, é algo que esperamos de Nolan e ele entrega com eficácia.
Se por um lado as qualidades da assinatura Christopher Nolan estão presentes, por outro, os defeitos também estão lá. Assim, é óbvio que “Tenet” abusa cada vez mais do didatismo quando a trama se aprofunda, sempre com um personagem pronto para explicar para o protagonista o que pode ou não acontecer naquela etapa, o que funciona quase como regras para diferentes fases de um jogo.
Ao assistir “Tenet” é possível entender a obsessão de seu criador por lançá-lo nos cinemas, apesar de ainda achar que o filme teria um sucesso muito melhor se lançado pós-pandemia. O filme de Nolan é um grande blockbuster de aventura com pitadas de 007, que pega emprestado conceitos de jogos de videogames em um roteiro aparentemente pretensioso, mas que se revela mais simples cada vez que você pensa nele.
“Tenet” é uma pretensiosa e divertida bagunça que mistura ação, ficção científica, espionagem internacional e filmes de assalto, além de ressaltar a frieza de Christopher Nolan na criação de personagens, pois eles, na verdade, pouco importam. Em “Tenet” o que importa é o estilo, são as possibilidades criativas exercitadas pelo cineasta, que deve ver com orgulho cada frame dos planos sendo colocados em execução. A trama, repito, não é difícil de ser entendida, ela apenas não faz muito sentido. Novamente, “não tente entender”, é comprar a ideia e aproveitar a jornada..
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