Quando estreou, em 1998, “That 70’s Show’ foi um sucesso imediato. Com bons personagens e atores carismáticos, a história de um grupo de jovens adolescentes envoltos em muita fumaça, descobertas e romance durou oito temporadas e teve até um derivado fracassado em “That 80’s Show”, que imitava a fórmula com a estética dos anos 1980, mas acabou não durando nem uma temporada completa.
Quando foi disponibilizada na Netflix, nos anos 2010, “That 70’s Show” teve um novo boom de popularidade e alcançou um novo público, o que obviamente deixou a plataforma empolgada com a possibilidade de reaproveitar a marca. “That 90’s Show”, que chegou nesta quinta (19) à Netflix, é exatamente o resultado dessa empolgação, uma mistura de remake e continuação que se sustenta na força da nostalgia enquanto busca também conquistar novos espectadores.
A série se passa em 1995, 15 anos depois do fim de “That 70’s Show”, no mesmíssimo lugar e em cenários bem parecidos. Em 10 episódios na primeira temporada, a série entende a força da nostalgia para trazer de volta antigos fãs, mas também introduz novos personagens, fugindo de suas maiores possibilidades de erro: acompanhar aqueles mesmos personagens, adultos, em outros lugares, ou se afastar do que deu certo.
“That 90’s Show” tem início em um ambiente conhecido, a cozinha de Red (Kurtwood Smith) e Kitty (Debra Jo Rupp), pais de Eric Forman (Topher Grace). Pouca coisa parece ter mudado por lá até o momento em que Eric e a esposa, Donna (Laura Prepon), chegam com a filha, Leia (Callie Haverda), para o feriado de 4 de julho. De lá, Leia vai acompanhar o pai em uma colônia de férias “espacial” (Eric continua fanático por “Star Wars”, como pode ser visto pelo nome da filha, e até dá aulas sobre), mas não parece muito empolgada. Quando ela conhece a vizinha Gwen (Ashley Aufderheide), que mora na casa ao lado, no quarto em que Donna morou na série original, faz novos amigos e pede aos pais para passar o verão em Point Place com os avós.
O episódio inicial traz diversas participações, como as já citadas e também do casal Michael Kelso (Ashley Kutcher) e Jackie (Mila Kunis); outras aparições são um pouco mais frequentes, como as de Fez (Wilmer Valderrama) e do hippie Leo (Tommy Chong), mas a série não se sustenta nesses convidados, apenas faz deles um adicional em piadas que nem sempre funcionam tão bem.
“That 90’s Show” tem a mesma dinâmica da série original, com jovens se descobrindo no porão, mas é muito mais uma série sobre Kitty e Red. Para o público antigo, a nova série da Netflix é bem melhor quando centrada em seus personagens mais velhos lidando com uma década cheia de transformações tecnológicas e revoluções comportamentais. O arco de Leia e seus amigos é por vezes desinteressante e bobo, mas talvez atinja um público adolescente que busca se reconhecer em tela ou adultos que foram adolescentes nos anos 90.
É muito fácil identificar no núcleo jovem seus pares da série original. Leia obviamente faz o papel do pai, enquanto Gwen ajuda a personagem a recriar a dinâmica entre Eric e Hyde (Danny Masterson), que não é sequer citado na nova série devido aos problemas do ator na justiça (Masterson é acusado de estupro por três mulheres). O grupo ainda tem Nate (Maxwell Ace Donovan), sua namorada, a sagaz Nikki (Sam Morelos), o mulherengo de bom coração Jay (Mace Coronel) e o sarcástico Ozzie (Reyn Doll), um jovem de ascendência asiática e muito bem resolvido com sua sexualidade. Ao contrário de “That 70’s Show”, cuja único traço de representatividade era Fez e a constante piada sobre seu país natal, “That 90’s Show” é bem mais plural ao introduzir personagens negros, latinos e asiáticos de forma natural, nunca tratando essas particularidades como conflito central da narrativa.
A necessidade de relacionar os novos personagens aos antigos tira dos jovens uma identidade imediata. Ao longo da temporada eles até desenvolvem traços mais individuais de personalidade, mas são sempre cobrados pelo texto para cumprirem certas funções, como fica claro com Jay no décimo episódio. Da mesma forma, NIkki e Gwen recriam uma rivalidade como era a de Jackie e Hyde; e Ozzie, um estranho no meio, faz as vezes de Fez dentro do grupo. Na ânsia de repetir uma dinâmica já testada, “That 90s Show” acaba perdendo a oportunidade investir em novas construções em uma nova época.
As referências à cultura dos anos 1990 são escancaradas, mas o texto acerta ao não mudar demais o tom - é até curioso como a estética dos anos 1970 em uma cidade do interior não é tão diferente da dos anos 1990. Até a música que se tornou clássica na abertura, "In the Street", do Cheap Trick, ganha uma versão punk atualizada com Brett Anderson, ex-vocalista do The Donnas, e James Iha, do Smashing Pumpkins. A série brinca com os ícones culturais como Alanis Morissette, fenômenos como as Blockbuster, a moda grunge (a obsessão pelas camisas de flanela de Red…) e até com o surgimento de movimentos sociais que se tornaram mais relevantes nas décadas subsequentes.
Em sua primeira temporada, “That 90’s Show” tem carisma e mostra força ao tentar equilibrar a nostalgia com a novidade, mesmo que nem sempre isso funcione. Caso seja renovada, a série precisa investir mais nos novos personagens e se afastar cada vez mais da dependência de “That 70’s Show” - não que isso não gere boas piadas, mas a nostalgia talvez torne tudo menos interessante para quem não assistiu a antiga série.
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