Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"The Batman" é um ótimo suspense policial com o herói

Com tom sombrio e realista, novo "Batman" é um filme de serial killer que aproxima o personagem muito mais da estética policial do que do universo de super-heróis

Vitória
Publicado em 01/03/2022 às 23h07
Filme
Filme "The Batman". Crédito: Warner/Divulgação

Há alguns anos, o diretor Matt Reeves (“Planeta dos Macacos: A Guerra”) recebeu um convite para dirigir o filme do Batman que seria escrito e protagonizado por Ben Affleck, mas surpreendentemente recusou a proposta. Reeves explicou à Warner que ama o personagem, mas que sua visão sobre ele em muito diferia da de Affleck, que seria uma aventura no estilo James Bond. O cineasta queria um Batman pessoal, que oferecesse ao público uma visão diferente do Homem-Morcego. Assim, quando Affleck saiu de cena, o convite foi refeito e Matt Reeves assumiria o roteiro e a direção, ou seja, poderia contar a sua história do Batman.

“Batman” chega aos cinemas como um dos filmes mais esperados do ano e com a possibilidade de causar reações adversas. O filme de Reeves é diferente de tudo o que já foi feito com o personagem nas telas, garantindo um frescor, um ar de novidade, mas que também pode incomodar os fãs de versões prévias do herói.

O novo filme tem um tom sombrio e aproxima o personagem da realidade, sem habilidades super-humanas ou traquitanas tecnológicas absurdas - durante as quase três horas de filme, “Batman” trata seu protagonista como um detetive vigilante atuando ao lado do tenente James Gordon (Jeffrey Wright). Quando tudo se inicia, o prefeito é encontrado morto com um recado para o Batman, é quando Gotham toma conhecimento do Charada (Paul Dano).

A dinâmica inicial entre Batman (Robert Pattinson) e o Charada é interessante, ainda que a relação seja distante. O texto de Reeves e Peter Craig (“Bad Boys Para Sempre”) retoma a questão já explorada nos filmes de Christopher Nolan, a de que o herói e seus vilões são dois lados da mesma moeda. No novo filme, no entanto, há um senso de identificação entre Bruce Wayne e seu antagonista; ambos buscam vingança e têm histórias de vida com questões que parecem intrigar o protagonista.

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Filme "The Batman". Crédito: Warner/Divulgação

Em meio a tudo isso, Batman conhece Selina Kyle (Zoë Kravitz) durante a investigação que também leva seu caminho a se cruzar com o de outros nomes conhecidos do universo do herói da DC, como o Pinguim (Colin Farrell) e Carmine Falcone (John Turturro). A ambientação é familiar ao universo do personagem, mas a narrativa pode surpreender.

“Batman” é um thriller policial com influências claras de “Zodíaco” e “Se7en”, ambos de David Fincher, no estilo narrativo e no tom, e até traz algumas caraterísticas de “Jogos Mortais” na maneira como apresenta seu antagonista. O filme também é violento de forma não gráfica, mas pela sensação de perigo que permeia todo ele.

Tal qual o “Coringa”, “Batman” trata seus personagens como frutos de uma sociedade doente. A Gotham criada por Reeves tem um histórico de corrupção e deixa isso claro quando as vítimas do Charada são todas pessoas de posições de poder. É interessante como a narrativa avança de forma a desenvolver o vilão mesmo sem ele em tela - a cada crime, entendemos e questionamos mais suas escolhas, mas, ao mesmo tempo, ele se aproxima do Batman e de Selina.

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Filme "The Batman". Crédito: Warner/Divulgação

Reeves acerta ao recomeçar o Batman nos cinemas sem trazer mais uma história de origem - Martha e Thomas Wayne obviamente têm papéis importantes no que Bruce se tornou e também no destino de Gotham, mas o diretor entende não precisar contar essa história novamente em tela. Entendemos que o Batman está na ativa como vigilante há algum tempo, mas também não demoramos a perceber que ele ainda está distante de ser um herói totalmente formado.

Robert Pattinson funciona muito bem como o Batman, se destacando nos momentos de dúvidas e fraquezas do personagem, mas não se sai tão bem como Bruce - um problema mais do texto do que do ator - mesmo que sua construção como um jovem milionário recluso seja essencial na construção do personagem. Bruce é um jovem amargurado, que não faz questão alguma de ter uma vida social, uma figura bem distante do playboy milionário de caracterizações anteriores. Matt Reeves sempre imaginou seu Bruce Wayne como um rockstar recluso, prestes a ser consumido por seu alter ego e uma pessoa que existe por obrigação - é como Batman que Wayne se sente confortável.

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Filme "The Batman". Crédito: Warner/Divulgação

O resto do elenco também é ótimo, destaque para a Selina Kyle de Zoë Kravitz, que parece ter nascido para a personagem. A atriz se sai muito bem nas cenas de ação, mas brilha mesmo quando o texto pede carga dramática - assim como Batman ou o Charada, a “mulher-gato) também é motivada pela vingança. O texto é muito eficaz ao dar a mesma motivação ao trio principal e distanciá-los no decorrer da narrativa.

Já o Charada talvez seja uma figura divisora justamente por se distanciar demais do aspecto lúdico do personagem. Para o tom do filme, no entanto, Paul Dano se sai bem mesmo caminhando no limite da caricatura e com alguns diálogos expositivos no terceiro ato. Mesmo que pareça esquecer o vilão por alguns momentos (o faz com o Pinguim também), o roteiro faz bom proveito das redes sociais para que o Charada viralize e ganhe sua legião de seguidores.

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Filme "The Batman". Crédito: Warner/Divulgação

As três horas de filme poderiam, sim, ser enxugadas, mas não chegam a torná-lo cansativo ou arrastado. Apesar de não ter tantas sequências de ação, o filme está sempre em movimento, com novas pistas, novos crimes ou avanços em diferentes arcos. A ação e as coreografias seguem o tom realista do filme durante quase o tempo todo, com o Batman sentindo os golpes e os tiros - a sequência na qual ele surge na escuridão, que suscitou a comparação com a cena de Darth Vader em “Rogue One”, é impecável.

Acertadamente, o filme se preocupa em construir a tensão, praticamente sem humor, guardando seus melhores momentos de ação para o grandioso terceiro ato, uma sensação reforçada pela ótima trilha sonora de Michael Giacchino e pela já citada ambientação do personagem em Gotham, uma cidade construída de contrastes potencializados pela fotografia de Greig Fraser.

“Batman” talvez não seja o filme que alguns fãs esperavam, mas é provavelmente o melhor filme que poderia ser feito para não repetir encarnações anteriores do personagem. Matt Reeves entrega o filme que imaginou, uma jornada íntima não apenas de Bruce Wayne, mas de toda cidade de Gotham e suas entranhas. O filme, ao fim, é violento e sujo, mas principalmente muito tenso, uma escolha acertada para inaugurar uma nova era do herói nos cinemas.

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