Imediatamente após ganhar o Oscar por “Monster”, em 2004, Charlize Theron fez uma escolha ousada: ao invés de usar sua assinatura em filmes que poderiam lhe trazer mais reconhecimento da Academia, optou por estrelar “Æon Flux”, versão cinematográfica de uma cultuada série de animação produzida pela MTV. O resultado é muito ruim e a recepção do filme foi péssima, mas era o início da Charlize Theron heroína de ação. Bailarina na juventude e afastada da dança em função de uma grave lesão no joelho, a atriz sul-africana sentia falta daquela fisicalidade em seus filmes - as lutas, para ela, muito se assemelham a uma dança.
O fracasso de “Æon Flux” a deixou receosa, será que não servia para aquele tipo de cinema? Foi só 10 anos depois, com o já clássico “Mad Max: Estrada da Fúria”, de George Miller, que Charlize se realizou. Imperatriz Furiosa, sua personagem, é em torno de quem funciona a história. Apesar do Max de Tom Hardy estar no título, é Furiosa (e Charlize) que se tornou merecidamente parte do boom pop.
Sua recém-adquirida credibilidade no cinema de ação a credenciou para uma antagonista em “Velozes e Furiosos 8” (2017) e principalmente para protagonizar “Atômica” (2017), que também produz. No filme dirigido por David Leitch (“John Wick” e “Deadpool 2”), Charlize assumiu o comando de quase todas as sequências de ação e protagonizou todas as lutas sem dublês, que só assumiam em cenas de alto risco, como grandes saltos e quedas - o resultado foi dois dentes quebrados e diversas lesões menores.
A atriz volta agora ao mundo da ação em “The Old Guard”, lançado nesta sexta-feira (10) na Netflix. O filme dirigido por Gina Prince-Bythewood adapta para as telas a HQ de Greg Rucka e tem o próprio autor como roteirista. A história acompanha um grupo de mercenários imortais liderados por Andy (Theron) - apesar de trabalharem por dinheiro, eles escolhem suas lutas, aceitando apenas missões que considerem corretas. As coisas mudam, porém, quando eles são descobertos e um poderoso empresário farmacêutico planeja utilizá-los como cobaias para possíveis medicamentos. A luta pelo que consideram certo de repente se torna uma luta pela sobrevivência.
“The Old Guard” apresenta ótimas sequências de ação, se encaixando com perfeição no que há de melhor no novo cinema de ação. Charlize Theron, como uma bailarina, domina a tela com coreografias complexas. É interessante como a reverência que o público desenvolve por ela é bem similar à que os outros integrantes da equipe têm por Andy.
O filme faz um bom trabalho em despertar o interesse do espectador para aquele grupo, que, a princípio, parece formado por pessoas normais. Aos poucos vão surgindo espadas e outros artefatos que não se encaixam bem nos dias atuais, assim como alguns talentos de Andy, Booker (Matthias Schoenaerts), Joe (Marwan Kenzari) e Nicky (Luca Marinelli). Surge também uma nova imortal, Nile (KiKi Layne), que faz o papel do espectador na história; ela, tal qual o público em casa, também não entende de imediato como funciona aquilo, como aquelas pessoas podem estar vivas há séculos ou quiçá milênios. Tudo é devidamente explicado para ela e, claro, para nós.
O texto traz questões interessantes como a decepção de Andy com a humanidade. Após tantos anos lutando as lutas que considera justas, ela não consegue entender os caminhos escolhidos por homens e mulheres ao longo do tempo. Para ela, toda sua luta e seu esforço são em vão. O surgimento de Nile, uma nova imortal após mais de dois séculos, traz novas perspectivas à líder do grupo.
Apesar de se destacar pela ação, “The Old Guard” traz bons diálogos que fazem com que o público se importe com os imortais, pois há opções bem piores que a morte. Joe e Nicky se conheceram nas Cruzadas e têm um ao outro - e o filme deixa clara a força da relação deles. Enquanto isso, Booker lutou as guerras napoleônicas e se tornou um solitário que viu pessoas queridas morrerem ao longo dos anos. O quanto isso transforma uma pessoa, quais marcas essas vivências são capazes de deixar?
Com uma premissa rica comandada por bons atores, o filme de Gina Prince-Bythewood peca em outras áreas. Ao manter escolhas similares às dos quadrinhos, Greg Rucka falha ao entender as diferenças entre as duas mídias. Algumas informações e flashbacks soam deslocados em relação à trama e pouco acrescentam - no cinema, às vezes é melhor deixar algo para a imaginação do público ao invés de explicitar tanto.
“The Old Guard” é um excelente filme de ação que surpreende por seu lado humano. As discussões levantadas funcionam, assim como a ação, mesmo que tudo por vezes seja interrompido por algumas escolhas equivocadas do roteiro. A Netflix tem em mãos um produto pronto para se tornar uma franquia, podendo ser expandido tanto em filmes ou séries que contam histórias anteriores ao filme quanto em novas tramas posteriores. Mesmo não sendo incrível, o filme é um excelente pontapé inicial para um universo de super-heróis de ação.
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