Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"The One": ótima série da Netflix questiona o que é o amor

Série britânica lançada pela Netflix, "The One" mistura ficção científica, suspense policial e drama em uma trama sobre a busca pelo amor verdadeiro

Vitória
Publicado em 12/03/2021 às 23h06
Série britânica
Série britânica "The One", da Netflix. Crédito: James Pardon/Netflix

“O que é o amor?”, pergunta Haddaway na clássica música farofa que lançou o duo ao sucesso na década de 1990. A resposta, obviamente, a música não apresenta. O amor talvez seja uma das principais forças motrizes da cultura pop ao longo de sua história - quantas comédias e dramas não foram criados em cima da busca de uma idealização do amor, de uma relação perfeita e, principalmente, daquela pessoa especial que o destino ou alguma outra força superior tem guardada para mim, para você ou para os protagonistas de filmes e séries?

Em “The One”, série britânica lançada pela Netflix nesta sexta (12), as coisas são mais fáceis. Com uma base de DNAs de pessoas de todo o mundo, a empresa que dá título à série é capaz de encontrar a alma gêmea de qualquer um que esteja cadastrado. O funcionamento é simples, você registra seu DNA e o sistema procura seu “único”; há uma explicação científica para tudo, mas, para ser sincero, quem se importa?

Em oito episódios de cerca de 45 minutos cada, conhecemos Rebecca Webb (Hannah Ware), a criadora da empresa, e vamos mergulhando nos acontecimentos que a levaram até ao ponto inicial da série. Um corpo é achado no Tâmisa e ele tem ligações com o passado de Rebecca e seu ex-sócio, James (Dimitri Leonidas). É quando conhecemos também a investigadora Kate (Zoë Tapper), uma usuária do sistema criado por Rebecca.

Logo no começo da série entendemos que o sistema é um grande sucesso, mas que existem opositores poderosos a ele. Quão invasivo é um sistema que utiliza uma base mundial de DNAs? Além disso, descobrimos também um aumento enorme nos números de divórcios, um arco bem explorado na relação de Mark (Eric Kofi-Abrefa) e Hannah (Lois Chimimba). O que, afinal, é o amor?

Série britânica
Série britânica "The One", da Netflix. Crédito: James Pardon/Netflix

Ainda há, claro, o problema do poder gerado pelos donos da informação. De posse de um arquivo gigantesco de inscritos, Rebecca tem informações para manipular pessoas de acordo com seus interesses. Considerada o primeiro caso de sucesso do sistema após encontrar seu verdadeiro amor, a empresária esconde bastante coisa para manter as aparências.

Baseada no livro homônimo de John Marss, a minissérie utiliza elementos de diferentes gêneros para criar sua própria narrativa. Há um pouco de ficção científica na base do The One, mas há também uma investigação policial em rumo e ela nunca é ignorada. Apesar disso, a grande discussão de “The One” é o tal do amor ideal, uma questão que traz mais perguntas do que respostas.

Neste ponto, a série não deixa de ser uma crítica ao conceito de que há, sim, uma pessoa especial para cada um apenas esperando ser encontrada. O roteiro explica esse conceito de forma abstrata: a parceria ideal do texto é um sentimento de conforto, de saber o que dizer, como agir, uma atração imediata e praticamente inevitável.

Série britânica
Série britânica "The One", da Netflix. Crédito: James Pardon/Netflix

É interessante como o texto não escolhe um lado ou outro, pois cada relacionamento funciona de uma forma, mas ele cria situações de desconforto com o “escolhido” - seria o fim do livre arbítrio em relação aos relacionamentos? E se a “alma gêmea” possuir uma orientação sexual diferente? Se o sistema diz que você deve ficar com essa pessoa, isso é obrigatório, independente de caráter ou das escolhas desse escolhido?

O The One praticamente elimina todo o processo da construção de uma relação, do flerte, da chegada da cumplicidade e a amizade dentro de uma relacionamento amoroso. Apesar de explorar um pouco esse desenvolvimento, a série o deixa em segundo plano. A narrativa central de “The One” é desenvolvida como um thriller, com as atitudes do passado de Rebecca finalmente vindo à tona.

É curioso perceber como a série desenvolve uma de suas viradas finais ao longo de toda temporada, mas nunca realmente prepara o espectador. A falha do texto, neste caso, é no desenvolvimento insuficiente de um dos personagens dessa reviravolta- não é que não esperamos que aquilo aconteça, só parece artificial demais, um recurso barato, mas cuja utilização faz sentido para o desenrolar da trama.

Série britânica
Série britânica "The One", da Netflix. Crédito: James Pardon/Netflix

Merece destaque a maneira como a série desenvolve seus personagens, sem maniqueísmo algum, com camadas e escolhas que têm causas e efeitos. Rebecca é uma personagem complexa, uma mulher que oferece o “amor” aos outros enquanto lida de maneira complicada com os seus relacionamentos, sacrificados em função do sucesso. Mesmo que o roteiro a coloque como uma mulher fria e calculista, o público sente nela uma humanidade, o que gera a capacidade de identificação. Kate, por sua vez, ganha profundidade ao se ver numa posição complicada após encontrar o seu “par” com o sistema criado por Rebecca. Seu arco é bem interessante, mas não vou entrar em spoiler.

Ao fim, “The One” é um ótimo drama com pitadas de thriller e ficção científica, uma série que, assim como o Haddaway, questiona “o que é o amor?”. Ao desconstruir o amor idealizado, o conceito de uma “alma gêmea”, a série defende que uma relação não surge da noite para o dia e que o amor da vida real é bem diferente daquele oferecido por Hollywood.

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