Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"The Trip": violenta comédia de erros da Netflix é ótima

"The Trip" é a história de um casal que vai para uma casa nas montanhas com segundas intenções. Filme de Tommy Wirkola é uma divertida e violenta surpresa

Vitória
Publicado em 17/10/2021 às 14h57
Aksel Hennie e Noomi Rapace em "The Trip". Crédito: Netflix/Divulgação
Aksel Hennie e Noomi Rapace em "The Trip". Crédito: Netflix/Divulgação

Há tempos cultivo o hábito de não assistir a trailers quando tenho a opção de não fazê-lo - é óbvio que não fecho os olhos e tapo os ouvidos em uma sala de cinema, mas não corro atrás de ver um novo trailer de um esperado lançamento, por exemplo. A ideia é ser surpreendido pelo filme, é não ter ideia de eventos ou acontecimentos normalmente antecipados pelas prévias.

Esse hábito funciona perfeitamente com o norueguês “The Trip”, lançado pela Netflix na última semana, e por isso o trailer estará só ao final do texto. Ao me deparar com o filme, dois nomes me chamaram a atenção, o da atriz Noomi Rapace e o do diretor Tommy Wirkola, dupla que já trabalhara junta no subestimado “Onde Está Segunda?”, também da Netflix.

“The Trip” acompanha o casal Lisa (Rapace) e Lars (Aksel Hennie, de “Headhunters”) em uma viagem a uma cabana no interior da Noruega. Desde o primeiro momento e mesmo sem ser expositivo, o filme não esconde as intenções de Lars de matar a esposa sua no meio do nada; ele até já plantou a justificativa na cabeça das pessoas que o cercam.

O charme do filme de Wirkola é o impensável, é a maneira como ele cresce sem que o espectador faça ideia do está por vir. O primeiro ato tem uma narrativa acelerada que parece levar o filme a um clímax antecipado, mas tudo muda quando o texto se transforma em uma grande comédia de erros com influências óbvias ao cinema de Joel e Ethan Coen, Quentin Tarantino e Wes Anderson.

Filme norueguês
Noomi Rapace e Aksel Hennie vivem um casal em crise em "The Trip". Crédito: Netflix/DIvulgação

Também há em “The Trip” muito do horror com o qual o Wirkola brincou nos dois “Dead Snow” (“Zumbis na Neve”, por aqui), obras que traziam nazistas transformados em zumbis aterrorizando um grupo de estudantes em férias. O diretor mistura fórmulas de comédia, suspense e terror em uma narrativa ágil, que nunca permanece estática e sempre parece guardar uma virada ou uma surpresa na manga - principalmente se você não tiver assistido ao trailer.

“The Trip” tem uma narrativa não linear, sempre trazendo breves flashbacks para explicar as soluções e viradas do texto. Bem utilizado, o recurso não se torna cansativa e garante um ar cômico à trama. Ainda assim, apesar das explicações, o texto se sustenta demais em soluções ex-machina, aquelas em que alguém aparece milagrosamente em cima da hora para salvar uma situação dada como perdida. Há também elementos plantados e mantidos gratuitamente apenas pensando em utilizá-los futuramente (as iscas são um exemplo).

Filme norueguês
Noomi Rapace e Aksel Hennie vivem um casal em crise em "The Trip". Crédito: Netflix/DIvulgação

O grande mérito do filme de Wirkola é levar o espectador para caminhos antes não ensaiados pelo filme. A violência se torna explícita, reforçada pela edição de som que potencializa o som de miolos explodidos, por exemplo, e cada vez mais absurda. É interessante, assim, que os protagonistas demorem a entrar nesse clima, algo que só acontece na virada para o terceiro ato.

A crescente dessa violência é um recurso bem utilizado e funciona tanto para efeitos cômicos quando para causa choque. A grande sacada é que “The Trip” não parece inicialmente ser um filme que seguirá por este caminho, dando a impressão de que funcionaria mais como um suspense tenso entre o casal. Isso muda quando um personagem toma um tiro e é arremessado contra a parede - ou aquilo é algo totalmente fora do tom, ou o filme não será necessariamente o que esperávamos dele.

Recheado de violência, o texto se perde em alguns momentos com piadas desnecessárias e escatologia. Uma piada com fezes humanas até faz certo sentido quando apresentada pela primeira vez, mas se torna gratuita quando reforçada em uma situação digna dos piores momentos dos piores filmes de Adam Sandler.

Filme norueguês
Noomi Rapace e Aksel Hennie vivem um casal em crise em "The Trip". Crédito: Netflix/DIvulgação

Ainda, provavelmente de maneira intencional, o roteiro constrói um início morno, quase como um filme pandêmico em que apenas dois atores ocupam a tela. Felizmente, Hennie e Rapace funcionam muito bem juntos como o casal em crise, fazendo piadas até com as próprias falhas e dando à relação aquele clima de que ela caminha na linha entre o amor e o ódio.

“The Trip” talvez passe injustamente despercebido, mas é uma opção divertida e chocante para quem reclama que “a Netflix só produz conteúdos adolescentes”. O filme de Tommy Wirkola traz frescor, bom texto e ótimas referências a uma comédia de erros inesperada e bastante violenta.

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