“The Umbrella Academy”, lançada em 2019 pela Netflix, é um exemplo claro de que mídias diferentes necessitam de narrativas diferentes. Os quadrinhos criados por Gerard Way e Gabriel Bá têm ritmo aceleradíssimo, cheios de violência gráfica e escolhas narrativas que seriam difíceis de serem levadas para a tela de uma maneira que fizesse sentido. Como escrevi na crítica da primeira temporada, a série começa muito bem, mas se enrola lá pelo meio da história e se torna até cansativa, algo impensável para um roteiro que deveria ser ágil. De qualquer forma, a série caiu no gosto do público e se tornou uma das mais queridas da plataforma.
Agora, um ano e meio depois, chega ao catálogo da Netflix a segunda temporada da série. São 10 episódios com uma história que tem início imediatamente após o fim do último episódio da temporada anterior, ou seja, logo de cara descobrimos que, para fugir do apocalipse de 2019, os irmãos Hargreeves foram parar em Dallas, no Texas, durante a década de 1960. Como Cinco (Aidan Gallagher) não tem tanto controle sobre seus poderes, os irmãos acabaram temporalmente separados entre 1961 e 1963 e podem ou não estar ligados ao assassinato do então presidente John F. Kennedy.
Levemente inspirada na segunda revista lançada, “The Umbrella Acadey: Dallas”, a segunda temporada se distancia ainda mais do material original, mas consegue manter o nível pop da série e ainda corrige diversos erros da primeira leva de episódios. A vantagem de já conhecermos os personagens dá ao texto a possibilidade não precisar apresentá-los, sobrando, assim, tempo para desenvolvê-los. Acompanhamos pedaços das jornadas de cada um nos anos 1960 antes que seus caminhos se cruzem novamente - afinal, Cinco já se deparou com um novo apocalipse causado pela presença deles naquele recorte temporal.
A escolha por um novo “fim do mundo” parece, a princípio, preguiçosa. Com o passar dos episódios, porém, o que vai acontecer ao fim de tudo parece importar pouco para o espectador, que apenas deseja passar mais tempo com os irmãos e descobrir como a trama, que ganha novas camadas e personagens, vai se desenrolar.
O fato de a série ter uma atriz negra no papel de Allison (Emmy Raver-Lampman) possibilita que o texto explore bem algumas questões raciais - nos anos 1960, Dallas ainda convivia com estabelecimentos exclusivos para brancos. Algo similar ocorre também na trama de Vanya (Ellen Page), mas não vou entrar em spoilers específicos sobre alguns pontos específicos da série neste texto.
Apesar de a premissa se repetir em outro recorte temporal, os irmãos Hargreeves não são mais aqueles que conhecemos na primeira temporada, eles mudaram e amadureceram em função do que viveram após voltar no tempo, e isso oferece nova dinâmica à série. Os arcos por que os personagens passam separados funcionam bem (o de Klaus é ótimo), mas é nos momentos em que estão juntos que eles brilham, com boa química entre os atores e diálogos que parecem ter saído dos quadrinhos.
Em sua segunda temporada, “The Umbrella Academy” ainda se permite apresentar novos rostos, como os ameaçadores irmãos suecos, e trazer de volta outros, recurso facilitado pela viagem temporal. A esquisitice ainda está presente, assim como a violência gráfica estilizada ainda funciona a favor da estética; a série, vale dizer, às vezes se preocupa demais com o estilo, com cenas pensadas para viralizar, mas pelo menos os realizadores fazem isso bem. Assim, mesmo que as coregrafias dos combates não sejam nenhum primor, elas tampouco são insossas como as de algumas séries de ação.
A primeira temporada da série já havia avançado no arco da segunda revista, mas o roteiro segue caminho bem distinto agora, com os heróis mergulhando em seus dramas pessoais com sensibilidade - alguns de forma sutil, outros, nem tanto. Em sua essência, “The Umbrella Academy” é um drama familiar ágil e feito para ser consumido por fãs da cultura pop cujo pilares atuais são heróis e heroínas fortes, com poucas fraquezas perceptíveis. É justamente nisso que a série da Netflix se destaca, pois ela consegue trazer criaturas poderosas ao mesmo tempo em que discute dramas de suas vidas pessoais sem romantizá-los; não foi o sofrimento, afinal, que os levou até ali, eles estão ali apesar do sofrimento. As falhas de caráter e as inseguranças dos personagens facilitam a identificação de um público tão falho e inseguro quanto eles.
Apesar de todos os méritos, a segunda temporada de “The Umbrella Academy” também tem problemas, principalmente nos antagonistas. A saída dos ótimos Cha-Cha e Hazel abre espaço para os já citados suecos, que nunca chegam a ser tão interessantes quando seus antecessores e acabam apenas servindo como uma ameaça genérica para despertar os protagonistas e como adversários em boas sequências de ação. Além disso, o episódio final, apesar de dar um ar de grandiosidade à história e de deixar um gancho no mínimo curioso, destoa um pouco do resto da temporada.
É interessante notar que “The Umbrella Academy” se afasta bem mais dos quadrinhos e ganha novos arcos e conflitos na série. É bem capaz, a partir de agora, que a série passe a seguir um caminho ainda mais independente, uma vez que “Hotel Oblivion”, terceiro arco de história das revistas, é confuso, completamente esquisito e sem um foco definido, uma obra de adaptação ainda mais difícil para uma narrativa audiovisual. Pensando no gancho deixado, uma terceira temporada deve aproveitar alguns arcos dos quadrinhos, mas de forma a contar uma nova história - Gerard Way, autor da história, já deu dicas do caminho que pretende seguir em algumas entrevistas.
A segunda temporada de “The Umbrella Academy” é bem superior à primeira por entender melhor o material que tem em mãos e por desenvolver uma identidade própria. A estética colorida combina com a narrativa mais ágil dos novos episódios, que até chegam a repetir alguns arcos, mas não cansam. A série faz você se importar com a maioria dos personagens (nem tanto com Diego…), deixa o discurso mais atual e ganha contornos afetivos de um bom drama familiar, tudo isso potencializado pelo apelo pop da edição, uma ótima trilha sonora e muita ação. Os heróis da série da Netflix se distinguem dos clássicos Marvel por terem problemas como os de sua audiência, e isso é um grande acerto.
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