Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Them": série de terror da Amazon Prime é espetacular

Em sua primeira temporada, "Them" conta a história de uma família negra se mudando para um subúrbio branco nos EUA. Terror psicológico de primeira

Vitória
Publicado em 10/04/2021 às 21h13
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Série "Them", do Amazon Prime Video. Crédito: Amazon Prime/Divulgação

Quem são os “eles” (“them”) que dão nome à nova série da Amazon Prime Video? A resposta aparenta ser inicialmente fácil, mas logo ganha novos contornos. A série tem início com a família Emory se mudando da Carolina do Norte, um Estado do Sul dos EUA, para o bairro de East Compton, em Los Angeles. À época, vigorava nos Estados do Sul as Leis de Jim Crow, que fundamentavam e legalizavam o racismo após o período da reconstrução dos EUA ao fim da Guerra Civil; os Emory, claro, queriam fugir disso. O problema é que chegando no subúrbio californiano branco e de classe média, eles se tornam “eles”, os vizinhos negros, o início da “degradação moral” do bairro que "não é racista, tem até empregadas negras".

É interessante, porém, percebermos que há outros elementos na trama da primeira temporada da série, uma antologia de terror que contará uma história por temporada. Os Emory, uma família negra, carregam seus traumas. Henry, o patriarca, vive às voltas com lembranças da Segunda Guerra. Engenheiro de uma grande empresa, lida diariamente com o preconceito em um mercado dominado por brancos. Disposto a garantir uma vida melhor para sua família, Henry aguenta a quase tudo calado, mas é claro que existe um limite...

A situação das mulheres não é melhor - em casa, Lucky (a ironia do nome não pode passar despercebida), sofre com turba de mulheres brancas da vizinhança comandada por Betty (Alison Pill) e também é perseguida por acontecimentos passados. O mesmo acontece às filhas, a jovem Ruby (Shahadi Wright Joseph) e a pequena Gracie (Melody Hurd), cada um com uma manifestação diferente das marcas que as seguem.

Mesmo sabendo que enfrentariam essa resistência, por que os Emory, então, decidiram se mudar para um bairro que poucos anos antes não aceitava negros? Simples, porque eles podiam; porque eles não precisavam que os brancos os dissessem o que fazer, no que trabalhar ou onde viver.

A primeira temporada de “Them” se passa nos anos 1950, quando os negros do Sul migraram para Estados mais progressistas. O nome e até a estética adotada pela divulgação e também por parte da narrativa fazem lembrar “Nós”, de Jordan Peele, e a influência é clara, principalmente na estética e no arco final das histórias, mas “Them” também guarda semelhanças com o aspecto não fantasioso de “Lovecraft County”, principalmente na forma como trata as questões raciais.

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Série "Them", do Amazon Prime Video. Crédito: Amazon Prime/Divulgação

A narrativa parece misturar as questões raciais aos aspectos psicológicos que garantem tensão à trama, mas os dois, na verdade, estão interligados. O texto de Little Marvin pode ser acusado de criar situações exageradas com o racismo, mas o exagero dessas sequências funciona justamente para expor os comportamentos ao ridículo.

“Them” é uma série forte e tensa em suas duas frentes narrativas. O terror deixa o espectador assustado, mas quando percebemos que eles são reflexo do racismo, tudo se mistura e o sentimento que surge é a raiva do que vemos em tela, principalmente quando o roteiro repete discursos que ouvimos ainda hoje para justificar práticas racistas.

Mais à frente, em sua reta final, a série criada por Little Marvin volta no tempo em uma associação entre racismo e religião que pode soar incômoda (mas não incorreta) para alguns. Voltando à chegada dos imigrantes europeus aos EUA, a série mostra como a religião legitimou ao longo de anos a violência contra os negros e a escravidão. Nesse mesmo arco, ela encerra as dúvidas se estamos diante de um terror psicológico ou de algo sobrenatural.

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Série "Them", do Amazon Prime Video. Crédito: Amazon Prime/Divulgação

“Them” às vezes parece se estender demais. A série teria ritmo mais interessante com oito episódios ao invés de dez, mas vale ressaltar que alguns episódios são bem mais curtos, com pouco mais de 30 minutos. Alguns, ainda, oferecem uma fuga da narrativa principal, abordando alguns personagens secundários como Betty, de quem é impossível não sentir raiva, e Helen Koistra (Brooke Smith), a corretora que vende a casa para os Emory.

Existe uma espécie de recompensa no final, mas tudo é tão cruel que não é possível sentir prazer ou satisfação com o desfecho - muito do que vemos em tela segue em prática ainda hoje, quase 70 anos depois. Há, em alguns momentos, a sensação de estarmos assistindo a um “torture porn”, sentimento similar ao que acontece em partes de “The Handmaid’s Tale”.

Com urgência, qualidade cinematográfica, atuações impecáveis e muita tensão, “Them” vai chegar ao fim do ano como um dos grandes lançamentos de 2021. A série lançada pela Amazon é assustadora quando parte para o terror sobrenatural, mas assusta ainda mais quando abraça a realidade.

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