“Turismo Selvagem” tem um grande problema, seu título em português. A série lançada pelo Prime Video, originalmente intitulada “Wilderness” (algo como “região selvagem”, “uma área intocada”), é ótima, com bom texto, uma dupla excelente de protagonistas e um ar de imprevisibilidade que combinaria com o título original. Em sua versão brasileira, porém,a primeira impressão é de ser uma série de viagens da National Geographics.
Observação feita, a série criada por Marnie Dickens tem início com um casal em uma viagem dos sonhos. Liv (Jenna Coleman, a eterna Clara de “Doctor Who”) e Will (Oilver Jackson-Cohen, da ótima “A Maldição da Residência Hill”) passeiam por um deserto americano em um carro conversível – “se nos vissem agora, com certeza nos odiariam”, diz a voz da protagonista. A série volta nove meses no passado para construir aqueles personagens, um casal inglês que foi morar nos EUA após uma ótima oferta de emprego para Will. Os dois parecem, de fato, um casal perfeito, mas isso dura apenas até ela ler uma mensagem no celular do marido.
Em seu primeiro episódio, “Turismo Selvagem” já constrói o ar de imprevisibilidade. Logo voltamos ao momento de início da série e percebemos que a impressão de um casal perfeito talvez não seja tão honesta. Na verdade, é nessa tecla que a série bate durante seus seis episódios, na construção de uma relação e nas aparências. A viagem de Liv e Will toma rumos improváveis quando eles encontram o casal Cara (Ashley Benson) e Garth (Eric Balfour) em uma trilha – ela é colega de trabalho de Will e talvez a autora da mensagem que Liv leu no telefone no marido.
Quando todo o cenário está posto, “Turismo Selvagem” se torna algo diferente. A série, inicialmente apresentada como um texto até refinado a partir de um segredo, se transforma em uma trama que a aproxima de “Você”. Os acontecimentos levam Liv a um lugar de quase psicopatia, algo com que o texto já havia brincado na introdução dos personagens, mas que passa a não ser apenas uma brincadeira.
É interessante como o roteiro tem pleno controle sobre seus personagens. Liv e Will vão se transformando gradualmente, para a surpresa do espectador, mas nunca de forma artificial. O texto planta dicas, insinua comportamentos e relações – é nesta construção, ainda, que “Turismo Selvagem” se aprofunda em questões de relacionamentos tóxicos e em reflexos de traumas familiares na personalidade de um adulto.
Enxuta, a série utiliza algumas muletas de roteiro e algumas trapaças para manter o interesse do público sempre desperto. A narrativa utiliza algumas montagens paralelas para criar tensão artificial e inexistente, um recurso comum em thrillers do gênero, mas o que incomoda são os ganchos nem sempre explorados.
Ao longo da série, vários episódios acabam em ganchos que prometem revelações explosivas em seguida, mas essa expectativa nunca se cumpre; em um dos casos, ainda, há uma grande frustração, pois a informação tratada pelo roteiro como reveladora nunca tem seu peso devidamente explorado pelo texto. É importante ressaltar também que “Turismo Selvagem” é mais uma série que cria suspense em cima de uma atuação policial ridícula – um dos detetives parece realmente acreditar em tudo o que dizem a ele, tornando difícil até acreditar que ele teve competência para chegar ao cargo.
A série tem bom texto e se apoia no talento de Jenna Coleman, uma atriz carismática com a qual é difícil não se relacionar. Seu grande mérito, porém, é a imprevisibilidade de suas viradas durante a maior parte do tempo. Mesmo que a reviravolta final não seja espetacular, tudo o que foi visto para chegar àquele momento compensa a falta de uma real surpresa. Ao fim, “Wilderness”, ou “Turismo Selvagem”, é um grande acerto e deve conquistar um público na Amazon Prime Video.
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