Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Um Bairro de Nova York" é um dos grandes filmes de 2021

Adaptação do espetáculo "In the Heights", sucesso de Lin-Manuel Miranda na Broadway, "Um Bairro de Nova York" é carta de amor à comunidade latina

Vitória
Publicado em 18/06/2021 às 01h38
Filme
Filme "Um Bairro de Nova York", adaptação da peça da Broadway "In the Heights". Crédito: Warner/Divulgação

“In the Heights” foi o primeiro grande sucesso de Lin-Manuel Miranda. Lançado no circuito off-Broadway em 2007, o musical logo ganhou os palcos mais famosos do mundo com o ator tendo escrito todas as canções. Desde 2008, quando estreou e foi aclamado na Broadway, se fala de uma adaptação para os cinemas para a história de Usnavi e toda a vizinhança latina do bairro de Washington Heights, em Nova York, mas só agora o filme chega aos cinemas. Lançado no Brasil como “Um Bairro de Nova York”, o filme dirigido por Jon M. Chu (“Podres de Rico”) chega com um texto adaptado e menos canções, mas com a mesma mensagem sobre pertencimento e família.

O filme acompanha Usnavi (Anthony Ramos, de “Hamilton”), o dono de um mercadinho em Washington Heights que, apesar de fazer parte daquele ecossistema, sonha em retornar à República Dominicana, terra de seus pais. Gradualmente, o texto vai apresentando novos personagens do bairro, do bem-sucedido empresário Kevin (Jimmy Smits) à matriarca de todos, Claudia (Olga Merediz, reprisando o papel do espetáculo da Broadway), uma senhora que não é parente de ninguém, mas é chamada de “abuela” por todos - os moradores do Heights são uma família.

Com Usnavi contando uma história, a narrativa tem início com uma contagem regressiva para um apagão. Enquanto o apagão não chega, vamos conhecendo as histórias do bairro, as relações construídas, os anseios de cada pessoa daquele grupo de moradores. Como vários bairros de periferia de cidades grandes, Washington Heights sofre com a especulação imobiliária e com a gentrificação. A sensação para os moradores, alguns que não conseguem mais pagar os aluguéis de suas lojas, é de que o bairro está com os dias contados, ao menos o bairro como eles conhecem.

O filme é um retrato de comunidades latinas em Nova York e aproveita para discutir a imigração. Lin-Manuel Miranda, filho de porto-riquenhos e criado em Washington Heights, entende sobre o que escreveu. Tendo originalmente vivido Usnavi no espetáculo e agora aproveitado em um papel menor, ele filme não apenas o bairro, mas a cidade como um personagem, com bandeiras de diversos países penduradas nas sacadas e muita gente pelas ruas o tempo todo. Como uma lembrança afetiva, Miranda recria a vizinhança de sua infância como um sonho positivo, em que as pessoas são boas e felizes mesmo em situações complicadas.

Ao fazer isso, “Um Bairro de Nova York” se afasta da representação de periferias como bairros violentos e várias vezes associados a gangues e drogas. Apesar de uma boa representação da comunidade latina, destacando as bandeiras de Cuba, Porto Rico e República Dominicana, vale reforçar a crítica que o filme recebeu pela ausência quase total de latinos negros - Corey Hawkins (“Straight Outta Compton”) é o ator negro de maior destaque, mas não interpreta um latino.

Além de multicultural, Washington Heights é construído também como um bairro de muitas gerações, de tradição e histórias. Há, assim, imigrantes que chegaram lá há décadas, vindo de outros países, outras culturas, mas também uma ou até mais de uma geração já nascida nos EUA, com uma visão diferente do que os cerca. Para os mais velhos o bairro é a casa, a família, a conquista, mas ele continua sendo a casa quando tudo está prestes a mudar?

Há arcos antagônicos e complementares, como o de Vanessa (Melissa Barrera), uma jovem designer que não vê a hora de sair do bairro, e Nina (Leslie Grace), que precisou ir estudar em uma universidade renomada para perceber o quanto sentia falta da vizinhança em que cresceu. “Um Bairro de Nova York” é, acima de tudo, um filme sobre pertencimento, sobre entender suas origens para compreender seu destino.

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Filme "Um Bairro de Nova York", adaptação da peça da Broadway "In the Heights". Crédito: Warner/Divulgação

Toda a carga dramática e emocional do filme está nas canções. Eu falei que o filme é um musical? Algumas informações que o espetáculo transmite em músicas, o novo teto transforma em diálogos, como a origem do nome de Usnavi, mas as conversas “normais” são poucas em “Um Bairro de Nova York”. A narrativa é quase toda conduzida por números musicais, alguns mais grandiosos, outros um pouco mais intimistas, mas todos cantados. Há muito rap, dance hall e música latina no filme - uma compreensão da língua inglesa ajuda muito.

Jon M. Chu entende o poder do material que tem em mãos e, por isso, não entrega tudo de cara. O bairro é apresentado gradualmente, em números mais contidos. Assim, quando algo maior toma conta da cena, ao espectador resta o encanto. Ironicamente, a primeira dessas grandes cenas é a que mais se distancia do resto do filme, mas ainda assim é essencial para a história.

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Filme "Um Bairro de Nova York", adaptação da peça da Broadway "In the Heights". Crédito: Warner/Divulgação

Apesar da qualidade inquestionável da trilha sonora e de todo mise-en-scène, “Um Bairro de Nova York” se estende mais do que o necessário. Com 140 minutos de projeção, o filme não chega a incomodar, mas se deixa levar por alguns momentos, como o do apagão, com números que poderiam ser encurtados para manter o ritmo. Há também arcos que acabam sendo subdesenvolvidos, como o de Sonny (Gregory Diaz IV), que se destaca sempre que aparece, mas some quando ganha uma história para chamar de sua, servindo apenas como ponto de virada do roteiro para outro personagem.

“Um Bairro de Nova York” é vivo, empolgante, afetivo e encantador, uma história de acolhimento, pertencimento e identidade. O filme de Jon M. Chu e o texto de Lin-Manuel Miranda oferecem ao espectador algo especial, uma experiência única que mistura a magia do cinema ao encanto dos grandes musicais da Broadway.

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