Lançado em 1992, “Uma Equipe Muito Especial”, de Penny Marshall, se tornou um clássico da época. Com Genna Davis, Madonna e Tom Hanks, a dramédia mostrava a formação de um time feminino de beisebol na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, para a disputa da primeira liga feminina do esporte. A liga realmente existiu e a ideia era manter o beisebol em alta num período em que boa parte dos jogadores profissionais haviam sido convocados para o conflito na Europa.
O filme foi um sucesso (por aqui virou clássico da “Sessão da Tarde”) e ainda hoje é cultuado, o que fez com que qualquer tentativa de adaptação da história sofresse alguma resistência. Seria mesmo necessário adaptar o filme? Quais histórias seriam contadas nessa nova versão que não foram contadas antes? Talvez a série “Uma Equipe Muito Especial”, lançada pela Amazon Prime Video, traga essas respostas.
Nos oito episódios da primeira temporada, a série é muito inteligente em manter várias referências ao filme de 92, mas desde o início já mostrar que as coisas não serão iguais. Logo encontramos Carson Shaw (Abbi Jacobson, também criadora e roteirista da série) correndo atrás de um trem, toda desgrenhada, tentando embarcar em Idaho rumo a Chicago, onde será realizada a seleção para a equipe feminina de beisebol.
O roteiro não gasta tempo com o que pouco interessa - o marido de Carson está na Guerra e ela parte em busca de um sonho. Chegando a seu destino, ela conhece Greta (D’arcy Carden) e Jo (Roberta Colindrez), duas nova-iorquinas em busca da mesma vaga, e rumam para a peneira, onde encontram uma centena de jogadoras.
A série não faz segredo com as apresentações de suas personagens, protagonistas e coadjuvantes, revelando-as quase que imediatamente. Cada uma das mulheres tem uma personalidade distinta e origens diferentes; em comum, o fato de serem mulheres brancas ou latinas - a cubana Esti (Priscilla Delgado) ganha espaço, afinal Cuba tem grande tradição no beisebol, mas a mexicana Lupe (Robert Colindrez) logo “vira” espanhola. É ainda durante a peneira que conhecemos Maxine (Chanté Adams), uma talentosa jovem negra impedida até mesmo de fazer o teste, pois a liga precisa ser vendida para uma sociedade “educada”, ou seja, ter uma jogadora negra seria um absurdo.
A partir deste ponto acompanhamos narrativas distintas. Em uma delas vemos Carson e o resto da equipe às voltas com os jogos da liga e o treinador do time, a ex-estrela Dove Porter (Nick Offerman); já a outra traz Max tentando de qualquer forma encontrar uma equipe em que possa jogar. É no arco de Max que “Uma Equipe Muito Especial” se conecta à época de ambientação da série. Para jogar no time de uma fábrica, por exemplo, ela se aproveita da falta de mão de obra masculina (quase todos na Guerra) para conseguir um emprego. Enquanto isso, Carson lida com novos sentimentos e com os problemas do time. As narrativas seguem caminhos distintos, se cruzando esporadicamente antes de se tornarem uma só.
Ao contrário do filme, a série é muito mais interessada em suas personagens. É claro que o beisebol está presente o tempo todo, com treinos, jogos e discussões sobre a equipe, mas ele funciona mais como a força motriz para reunir as personagens do que como o coração da série; não é uma série sobre beisebol, é uma série sobre pessoas. Ainda assim, esportivamente falando, é curioso ver como a liga pretendia ser vendida com uma imagem irreal de lindíssimas modelos jogando de saias, ignorando justamente as personalidades e as histórias de cada uma, o grande foco de atenção da série.
O texto se esforça para mostrar como aquelas mulheres foram transgressoras e quão perigoso era ser lésbica à época - o filme de Penny Marshall até ensaia uma discussão superficial sobre o tema, mas a série mergulha de cabeça e de forma orgânica, conectando trajetórias a partir de paralelos sobre a maneira como elas lidam com a sexualidade.
Carson enfrenta a decisão de deixar para trás uma vida já estabelecida e um casamento não apenas para jogar beisebol, mas para fazer parte de um mundo que a entende. Já Max vive em um lar religioso e em uma comunidade que a incentiva a se casar e cuidar do bem-sucedido negócio da mãe - seu pai parece ser a única pessoa a vê-la de verdade. A conexão entre Max e Carson é desenvolvida sem pressa, fazendo com que o espectador anseie para finalmente ver os dois arcos reunidos, quando já conhecemos as potencialidades de ambas.
É muito interessante como o roteiro dá a cada uma das personagens momentos para brilhar, ampliando o alcance da série e sua capacidade de gerar identificação. E se inicialmente espera-se de Nick Offerman uma jornada parecida com a de Tom Hanks no filme de 92, o texto logo quebra essa expectativa; na série, são elas por elas.
Apesar de um incômodo anacronismo nos diálogos e em algumas representações, “Uma Equipe Muito Especial” é muito eficaz na reconstrução de época. A partir das histórias e das autodescobertas das jogadoras, é possível entender o que eram os anos 1940 para as minorias nos EUA e também a transformação social causada pela liga feminina.
“Uma Equipe Muito Especial” não é um reboot e tampouco um remake do cultuado filme, mas a mesma história contada de uma maneira diferente. Mesmo assim, as referências estão ali e os fãs do filme vão identificar todas com facilidade. A série da Amazon Prime Video, porém, é uma nova criatura centrada em duas excelentes protagonistas em histórias divertidas, mas com um potencial dramático enorme. A série é um grande acerto e merece mais temporadas para desenvolver as riquíssimas personagens apresentadas na primeira.
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